Volume 10 - Odisseia - Homero
A tarefa de resenhar uma obra tão antiga e tão universal quanto Odisseia é desafiadora. Afinal, quando já se falou tudo sobre ela, o que mais se pode dizer?
Todos sabem – porque leram, viram ou ouviram em algum lugar – que Homero é o autor da obra conhecida mais antiga da literatura ocidental, e que Ilíada e Odisseia são consideradas as obras que inauguram a nossa tradição literária, ainda que tenham originalmente sido cantadas por esse que era, segundo dizem os relatos, um homem velho, cego e mendigo, e que cantava as glórias do povo grego em troca de sua sobrevivência. Se existiu e se os poemas épicos que narram a guerra de Troia e o fatídico retorno de Ulisses à sua amada ilha Ítaca são deles, é uma questão eternamente discutida entre estudiosos.
Interessa-nos, porém, tratar desta narrativa que a coleção Clássicos da Literatura Juvenil apresenta ao leitor em seu décimo volume. Aqui, os 12.110 versos do poema homérico foram transformados em uma narrativa que vai além do palatável ao gosto juvenil: ela encanta e prende o leitor magicamente, como um feitiço dos deuses, de tal forma que a leitura se torna uma experiência de quase-conto. Explicamos: uma vez, Edgar Allan Poe disse que um conto deve ter um tamanho ideal tal que o leitor o leia numa só sentada.
O inglês Alfred J. Church, que viveu entre os séculos XIX e XX, fez exatamente isso com a obra de Homero: criou uma narrativa bastante fiel ao poema, mas em forma de texto corrido, e de tal modo elaborou a soma de acontecimentos, que a história das dificuldades vencidas pela esperteza de Ulisses (ou Odisseu, como é conhecido em outras traduções) e pela ajuda da deusa Atena é lida quase de uma só sentada.
Nota curiosa, nesta história, é que esta adaptação foi feita em 1879, e a tradução foi publicada pela abril somente no mês de abril de 1972, sem que se perdesse, nesse processo, o viço desse trabalho. Obviamente, todo o mérito deve ser dado a Marques Rebelo, grande escritor brasileiro que participou da Semana de 22 e foi membro da Academia Brasileira de Letras, além de ter ganhado o Prêmio Jabuti de Literatura. O escritor carioca certamente cuidou para que houvesse mais do que uma tradução, e tratou então de “aclimatar” o texto inglês para o nosso público.
Desta forma, Odisseia apresenta a história do guerreiro Ulisses, rei da ilha de Ítaca que vai lutar na Guerra de Troia, em favor dos gregos, e realiza a jornada de retorno à sua casa, onde a esposa Penélope o aguarda junto de seu filho Telêmaco. Quando a história tem início, já se passaram 10 anos desde a saída de Ulisses de sua casa, e são necessários mais 10 anos para que finalmente chegue em casa. Nessa longa viagem, ele se vê vítima do ciclope Polifemo, de Poseidon, de Circe, e passa por outras adversidades, como a estadia na ilha dos ventos, perdendo os companheiros e tornando-se, assim, o único sobrevivente de todos os que haviam iniciado a jornada com ele. Enquanto esse tempo passa, Penélope enfrenta com resignação o abuso e a dilapidação de seus bens por aqueles nobres de Ítaca e da região que desejam casar-se com ela. Sem força para lutar e desejando que não matem seu filho Telêmaco, ela usa de astúcia para adiar indefinidamente sua decisão por qualquer um dos homens que ali se instalam, até que finalmente seu marido retorna, disfarçado de mendigo, e junto dos escravos Laerte e Ericleia, e de seu filho, arma um plano e vinga-se de todos os arruaceiros, tirando-lhes a vida e retornando ao trono que é seu por direito. É somente no final que Ulisses revela-se à esposa e retoma a sua forma física, disfarçada pela magia de Atena. É, aliás, pelas mãos dos deuses que a trama épica, carregada de drama, é amarrada, e é por eles que entendemos o sentido do "fatalismo grego", segundo o qual o destino será sempre o mesmo, não importa o caminho que tomemos, porque assim foi decidido pelos deuses.
O resultado desse esforço é uma transformação do formato da obra, e os puristas podem com toda certeza aprender, a partir de um trabalho desses, que uma obra adaptada não necessariamente perde seu teor literário. Antes, ganha em energia e recupera, em um grau considerável, a alma da narrativa épica, pois quando lemos temos a nítida impressão de estarmos diante de um contador de histórias que conta acerca de deuses, feiticeiras, escravos, e tantas outras façanhas que Ulisess realiza nesta história ainda moderna, ainda sobre a guerra e sobre um homem que quer voltar à casa, onde sua esposa Penélope fielmente o aguarda, ainda que cercada de mais de 100 pretendentes à sua mão.
Nesta obra adaptada, traduzida e novamente adaptada, há episódios que ficam de fora. É, por exemplo, o caso da passagem de Ulisses pela ilha dos comedores de lótus, e também o caso do terceiro canto, que narra a passagem do herói pelas sendas dos mortos, onde reencontra sua mãe e os soldados que pereceram na guerra de Troia. Novamente, parece-nos que alusões mais diretas a elementos que canonicamente não integram o universo infantil e juvenil, como as drogas e a morte, são deixados de fora da narrativa, o que demonstra um cuidado e um controle bastante firme no conteúdo da coleção publicada pela editora. Não nos esqueçamos, é claro, de que se tratava do início da década de 1970, num país governado por um grupo que a todo custo desejava manter a nação fora do espírito da década anterior, de libertação, ao mesmo tempo em que renovava suas estratégias de crescimento acelerado, contando com a educação e a formação de novos centros técnicos para cumprir tal tarefa.
No final, o que conta no décimo volume da coleção não é a fidelidade com que narra, mas se ele cumpre – e de até que ponto ele o faz – a tarefa de ser atual, de falar à alma do leitor que parte em busca não só do aprendizado sobre a literatura e a arte de ler, mas de uma das versões mais conhecidas da história das aventuras da humanidade, tão antiga e tão importante, retratada por um homem, e heróica porque atravessou quase 28 séculos para que possamos, hoje, compreender a sua importância e admirá-la pelo que ela nos conta sobre o coragem, inteligência, crença, e lealdade.
Todos sabem – porque leram, viram ou ouviram em algum lugar – que Homero é o autor da obra conhecida mais antiga da literatura ocidental, e que Ilíada e Odisseia são consideradas as obras que inauguram a nossa tradição literária, ainda que tenham originalmente sido cantadas por esse que era, segundo dizem os relatos, um homem velho, cego e mendigo, e que cantava as glórias do povo grego em troca de sua sobrevivência. Se existiu e se os poemas épicos que narram a guerra de Troia e o fatídico retorno de Ulisses à sua amada ilha Ítaca são deles, é uma questão eternamente discutida entre estudiosos.
Interessa-nos, porém, tratar desta narrativa que a coleção Clássicos da Literatura Juvenil apresenta ao leitor em seu décimo volume. Aqui, os 12.110 versos do poema homérico foram transformados em uma narrativa que vai além do palatável ao gosto juvenil: ela encanta e prende o leitor magicamente, como um feitiço dos deuses, de tal forma que a leitura se torna uma experiência de quase-conto. Explicamos: uma vez, Edgar Allan Poe disse que um conto deve ter um tamanho ideal tal que o leitor o leia numa só sentada.
O inglês Alfred J. Church, que viveu entre os séculos XIX e XX, fez exatamente isso com a obra de Homero: criou uma narrativa bastante fiel ao poema, mas em forma de texto corrido, e de tal modo elaborou a soma de acontecimentos, que a história das dificuldades vencidas pela esperteza de Ulisses (ou Odisseu, como é conhecido em outras traduções) e pela ajuda da deusa Atena é lida quase de uma só sentada.
Nota curiosa, nesta história, é que esta adaptação foi feita em 1879, e a tradução foi publicada pela abril somente no mês de abril de 1972, sem que se perdesse, nesse processo, o viço desse trabalho. Obviamente, todo o mérito deve ser dado a Marques Rebelo, grande escritor brasileiro que participou da Semana de 22 e foi membro da Academia Brasileira de Letras, além de ter ganhado o Prêmio Jabuti de Literatura. O escritor carioca certamente cuidou para que houvesse mais do que uma tradução, e tratou então de “aclimatar” o texto inglês para o nosso público.
Desta forma, Odisseia apresenta a história do guerreiro Ulisses, rei da ilha de Ítaca que vai lutar na Guerra de Troia, em favor dos gregos, e realiza a jornada de retorno à sua casa, onde a esposa Penélope o aguarda junto de seu filho Telêmaco. Quando a história tem início, já se passaram 10 anos desde a saída de Ulisses de sua casa, e são necessários mais 10 anos para que finalmente chegue em casa. Nessa longa viagem, ele se vê vítima do ciclope Polifemo, de Poseidon, de Circe, e passa por outras adversidades, como a estadia na ilha dos ventos, perdendo os companheiros e tornando-se, assim, o único sobrevivente de todos os que haviam iniciado a jornada com ele. Enquanto esse tempo passa, Penélope enfrenta com resignação o abuso e a dilapidação de seus bens por aqueles nobres de Ítaca e da região que desejam casar-se com ela. Sem força para lutar e desejando que não matem seu filho Telêmaco, ela usa de astúcia para adiar indefinidamente sua decisão por qualquer um dos homens que ali se instalam, até que finalmente seu marido retorna, disfarçado de mendigo, e junto dos escravos Laerte e Ericleia, e de seu filho, arma um plano e vinga-se de todos os arruaceiros, tirando-lhes a vida e retornando ao trono que é seu por direito. É somente no final que Ulisses revela-se à esposa e retoma a sua forma física, disfarçada pela magia de Atena. É, aliás, pelas mãos dos deuses que a trama épica, carregada de drama, é amarrada, e é por eles que entendemos o sentido do "fatalismo grego", segundo o qual o destino será sempre o mesmo, não importa o caminho que tomemos, porque assim foi decidido pelos deuses.
O resultado desse esforço é uma transformação do formato da obra, e os puristas podem com toda certeza aprender, a partir de um trabalho desses, que uma obra adaptada não necessariamente perde seu teor literário. Antes, ganha em energia e recupera, em um grau considerável, a alma da narrativa épica, pois quando lemos temos a nítida impressão de estarmos diante de um contador de histórias que conta acerca de deuses, feiticeiras, escravos, e tantas outras façanhas que Ulisess realiza nesta história ainda moderna, ainda sobre a guerra e sobre um homem que quer voltar à casa, onde sua esposa Penélope fielmente o aguarda, ainda que cercada de mais de 100 pretendentes à sua mão.
Nesta obra adaptada, traduzida e novamente adaptada, há episódios que ficam de fora. É, por exemplo, o caso da passagem de Ulisses pela ilha dos comedores de lótus, e também o caso do terceiro canto, que narra a passagem do herói pelas sendas dos mortos, onde reencontra sua mãe e os soldados que pereceram na guerra de Troia. Novamente, parece-nos que alusões mais diretas a elementos que canonicamente não integram o universo infantil e juvenil, como as drogas e a morte, são deixados de fora da narrativa, o que demonstra um cuidado e um controle bastante firme no conteúdo da coleção publicada pela editora. Não nos esqueçamos, é claro, de que se tratava do início da década de 1970, num país governado por um grupo que a todo custo desejava manter a nação fora do espírito da década anterior, de libertação, ao mesmo tempo em que renovava suas estratégias de crescimento acelerado, contando com a educação e a formação de novos centros técnicos para cumprir tal tarefa.
No final, o que conta no décimo volume da coleção não é a fidelidade com que narra, mas se ele cumpre – e de até que ponto ele o faz – a tarefa de ser atual, de falar à alma do leitor que parte em busca não só do aprendizado sobre a literatura e a arte de ler, mas de uma das versões mais conhecidas da história das aventuras da humanidade, tão antiga e tão importante, retratada por um homem, e heróica porque atravessou quase 28 séculos para que possamos, hoje, compreender a sua importância e admirá-la pelo que ela nos conta sobre o coragem, inteligência, crença, e lealdade.
Fonte de informações sobre o autor: http://pt.wikipedia.org/wiki/Homero
1 Comentários:
Ola Fabiana tudo bem?
Adorei este seu blog e como vendo livros tomei a liberdade de colocar um link da sua resenha da Odisséia para o meu site. Se você por acaso não aprovar por favor me avise. Parabéns pelo seu trabalho, não sabia que esta coleção era tão grande. Esta aqui o link:
http://leiaparadepoiscomprar.blogspot.com/2011/03/odisseia-de-homero-versao-infanto.html
Agradeço desde já!
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial