Coleção Clássicos da Literatura Juvenil

Apresentação e resenha dos livros da coleção editada pela Abril Cultural entre 1971 e 1973.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Volume 11 - Ben-Hur - Lewis Wallace



Eu sou uma dessas pessoas que assistem aos clássicos hollywoodianos de quando em quando, e raramente vejo "novos" -- novos para mim, é claro, pois dedico-me a assistir a reprises de alguns dos meus favoritos. Assim, há não muito tempo, vi meu pai assistindo ao Ben-Hur e parei para assistir com ele. O filme foi ganhador de 11 estatuetas do Oscar e ganhou também o BAFTA, numa época em que tais premiações não eram exclusivamente manobras políticas ou premiações concedidas de acordo com a bilheteria arrecadada. Mesmo assim, nunca parei para pensar que houvesse um livro que dera origem à história. Na minha imaginação, diante do enredo, supus na minha ignorância que fosse bíblico, histórico.

No processo de leitura das obras publicadas na coleção Clássicos da Literatura Juvenil, encontrei a história recontada por ninguém menos do que Carlos Heitor Cony, escritor famoso pelos casos de mistério e de cenários urbanos em seus livros. Assim, mergulhei na leitura da obra, ainda acreditando que o autor, o americano Lewis Wallace (1847-1905) tivesse criado a história a partir de relatos bíblicos de um homem de nome Judá Ben-Hur.

No processo da leitura, fui-me certificando de que o enredo era muito "parecido" com o do filme para ser uma mera coincidência. Vejam, refiro-me à filmagem de 1959, com o ator Charlton Heston interpretando o papel do herói. Então, resolvi fazer a pesquisa biográfica de Wallace e sobre o livro antes de terminar a leitura (normalmente faço-a depois da leitura, por querer ler sem muitas informações que a "direcionem") e descobri não só que este é o livro que deu origem ao roteiro do filme mencionado, como também que a personagem nada mais é do que fruto da imaginação e das experiências do autor, ele mesmo herói da guerra de anexação do estado do Texas e da Guerra da Secessão (lutou pela União), político e diplomata, além de escritor.

A nova informação não mudou minha opinião de que o enredo é bastante interessante, mas enriqueceu-o sob meu ponto de vista, porque uma coisa é ter o dom de transformar fatos históricos em literatura, e outra é fazer a literatura, criando-a com base em fatos históricos, sem transformá-los fielmente. Ambos são processos dignos, porém diferentes em sua concepção. A personagem Ben-Hur é da segunda natureza, e a intensidade dos sentimentos fazem dele o sumo do mel da fé judaica no messias -- e, depois, no próprio cristianismo -- e no fel do desejo de vingança contra os romanos que o prenderam, enterraram vivas a mãe e a irmã numa cela de prisão para condenados políticos, e tomaram seus bens.

Aos leitores que não conhecem a história, trata-se da trajetória do príncipe judeu Judá Ben-Hur, da casa de Hur, desde o momento de sua queda, arquitetada pelo romano Messala, antigo companheiro de adolescência e agora inimigo mortal, separado por questões de fé e sobretudo de política, até o momento em que se vê vingado, testemunha sua fé em Cristo, e estabelece sua família novamente. Nesse caminho, o herói é ajudado por judeus que vão de seu escravo até o próprio Jesus de Nazaré, além de um xeque árabe e outros que vêm pelo caminho. Inimigos são os romanos, que fundam sua crença politeísta em deuses, comemoram o dia e a primazia sobre outros humanos, e encontram-se em posição de escravizar povos e demandar-lhes impostos.

A narrativa recontada por Cony tem início no dia em que os reis magos encontram-se no meio do deserto, guiados separadamente pela estrela para que ali se juntassem e procurassem pelo recém-nascido messias. Daí, pula para a cena em que Judá desentende-se com um Messala recém-chegado de Roma a Jerusalém, passa para a cena em que a mãe de Ben-Hur lhe dá uma lição sobre a herança genealógica dos judeus e a superioridade judaica sobre a romana, e em seguida passa para a cena em que Judá, ainda jovem, deixa cair de sua varanda um pedaço de telha sobre o cortejo do novo procurador romano, Valerius Gratus, e Messala faz disso um acontecimento político não só para calar a ira imanente de cada judeu explorado que pensasse em ousar levantar-se contra o poderio romano, mas como forma de se vingar do rancor e da mágoa expressas por seu ex-amigo. Esse processo toma as 63 primeiras páginas de um livro com 223 páginas, dividido internamente em VIII LIVROS. Esta parte estabelece o cenário e a atmosfera do que o autor nos conta a seguir, e aqui toma os três primeiros livros.

O que me chamou a atenção, nessa adaptação bastante interessante, é um certo descompasso cronológico: em um dado momento, Ben-Hur tem 17 anos e, logo em seguida, na abertura da parte seguinte, ele tem 24 anos, quando o narrador especifica que três anos se passaram desde que fôra preso e condenado ao remo das galés. A explicação que suponho ser a mais acertada é a de que longa parte desta narrativa de 620 páginas originais, foi suprimida, e que por uma impossibilidade de adaptação cronológica, Cony tenha de ter deixado esta diferença passar. Mesmo assim, isso não desmerece o trabalho de recontagem de adaptação deste clássico publicado originalmente em 1880, e tampouco foge à regra do que vinha se estabelecendo na publicação desta coleção, ou seja, de uma proposta de aventuras intensas e que traduzissem o espírito universal do homem em busca de conquista, de riquezas, de poder e de honra, estando estes objetivos ora juntos, ora separados, dependendo de quem seja a personagem em pauta.

Não posso me furtar a um comentário típico de quem estudou e ainda estuda questões de cultura e sociedade, e que me chama a atenção neste livro. Por um lado -- o lado de quem escreve o livro, e que viveu como um herói de guerra e um político de sucesso --, toda a história do povo judeu e de sua importância apelam para a união e para uma identidade nacional que transparecem no herói. Desse modo, Ben-Hur é transposição do herói americano ao ideal de união e de identidade religiosa, ainda que não sejam os Estados Unidos uma nação judaica (comunidades judaicas e empresários da mídia e da comunicação à parte, é claro). Por outro lado, não posso evitar a interpretação que me parece a mais óbvia e irônica: o autor execra os romanos e sua sede pelo poder -- e, provavelmente, pensando ele mesmo nas experiências de sua nação com o poderio inglês --, mas esta foi a posição que os próprios americanos tomaram diante dos processos de anexação de territórios e, mais tarde, já firmados pelo imperialismo, demonstraram diante do restante do mundo (vide a lei Marshall de reconstrução da Europa e a influência, direta ou velada, nos processos de ditadura dos vários países da América Latina e da África).

No fim, independentemente de ser ou não imperialista e tão romano quanto Roma o país de onde se originou esta história e que ofereceu o contexto de vida e de pesquisa de Wallace (famoso também por relatos históricos de políticos e por um outro romance, O Príncipe Indiano), permanece intacto o ciclo de publicações ininterruptas do romance no país e através do mundo, bem como sua fama -- para a qual a série de efeitos, o pesado investimento financeiro no cenário e o ator Charlton Heston, que também fez Moisés em Os Dez Mandamentos, contribuíram de forma substancial. Mais do que isso, a obra serviu para que o próprio Wallace, até então um ateu convicto, descobrisse seu caminho de fé através de suas pesquisas para a elaboração da narrativa -- de onde vêm, então, o pesado sentimento de arrependimento e de culpa de uma das personagens, que se joga no rio para pagar pelos seus pecados e dar cabo ao seu sofrimento. É por isso que a personagem, em lugar de vingança e de rancor, acaba por se tornar um líder pacífico, amoroso, e que a todos perdoa e procura ajudar.

Fonte de informações sobre o autor:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Lew_Wallace (mas, se você ler em inglês, vale a pena pesquisar nesta base o perfil em inglês).

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