Volume 23 - A filha do capitão - Aleksander Pushkin
O projeto de ler e resenhar livros da coleção Clássicos da Literatura Juvenil durante este ano requer, como o leitor e a leitora deste blog devem imaginar, disciplina para pesquisar e manter o calendário de publicação semanal, e flexibilidade para procurar entender a obra em seu contexto sem que gostos pessoais influenciem tanto a experiência de leitura, embora saibamos todos que a imparcialidade é, neste caso, inexistente. Isso significa, pois, olhar para cada obra com olhos curiosos de aprender, que estejam despidos de preconceitos e que, sobretudo, eu, enquanto leitora, esteja sempre preparada para quaisquer quadros que se me apresentem durante a experiência de leitura e de pesquisa. Como é de se supor, nem sempre a experiência é lá tão boa – outras vezes, ela é realmente inesquecível --, mas bom mesmo é quando, no meio da leitura, eu me surpreendo com alguns aspectos da obra que estou lendo. Assim aconteceu com este livro do romancista russo Aleksander Sergeievitch Pushkin, publicado em 1836.
A filha do capitão, vigésimo-terceiro livro publicado na coleção, narra a história de Andrei Pietrovich Griniov, jovem nobre da cidade de Simbirsk que, nos idos de 1770, é enviado pelo pai, militar reformado, a um ermo comando da gelada Rússia para que aprendesse sobre disciplina, responsabilidade, comando e assim amadurecesse para que pudesse, mais tarde, assumir suas responsabilidades para com suas propriedades e serviçais. Tratava-se, então, da velha Rússia dos czares, e Catarina II era a soberana de tão vasto território composto principalmente de gelo e de estepes.
Ora, sucede que, a caminho de seu posto, o jovem Piotr encontra um vagabundo que lhe salva da morte por congelamento no meio da estrada e, ainda que a contragosto de seu criado, dá ao malandro o casaco de pele que vestia e paga-lhe um copo de vinho quando chegam a uma hospedaria. Durante a mesma viagem, ainda comete o deslize de, por inocência, cair na lábia de um capitão Zúrin e para ele perder, em jogos, a vultosa quantia de cem rublos.
Finalmente, o rapaz encontra-se num posto militar isolado de tudo e de todos, onde a paliçada é feita de estacas em vez de pedras, e onde contam com 130 homens maltreinados, um velho capitão que mais recebia ordens de sua esposa do que comandava, e um único canhão. Naquele inóspito lugar desenvolve-se a trama principal do romance: o jovem apaixona-se por Maria Ivánovna Mirónov, a tal filha do capitão, mas não obtém do velho e rígido pai a permissão de com ela se casar. Mesmo assim, enamorado que está, descobre que o outro oficial que ali está também gosta dela e, por ter sido rejeitado, difama-a. O resultado é um duelo, do qual ele sai ferido. Salva-se desta e recupera-se em casa do capitão, sob os ternos cuidados de Maria, para raiva e desgosto do rival Chvabrin.
Pouco tempo depois, o posto é atacado e os que resistem são enforcados, incluindo aí o capitão e sua esposa. Embora seja leal à czarina, Piotr salva-se da forca porque o chefe dos bandidos, que promove a série de assaltos às aldeias não é outro senão o malandro a quem, meses antes antes, o jovem havia dado seu casaco e pago pela bebida. A esta altura, Chvabrin já se tornou um dos mais ardentes seguidores de Pugatchev, o líder das tropas rebeldes. Dono de boa memória e reconhecido, Pugatchev liberta-o e dá-lhe salvoconduto para que ele, enquanto defensor da czarina, rume para um posto ainda não tomado.
Muitas aventuras se passam, e todas parecem girar em torno de como as tropas de oficiais russas resistiam aos ataques de Pugatchev e de como, nos encontros espaçados entre este e Piotr, eles pareciam se entender, cada qual defendendo seu ponto de vista e sua filosofia de vida, enquanto uma Rússia carente de mãos administrativas e militares fortes se via desamparada, saqueada, torturada e abandonada à própria sorte. Nesse ínterim, e por intermédio de Piotr, Maria Ivánovna, órfã, é libertada do jugo de Chvabrin e enviada para a propriedade dos Griniov enquanto o jovem oficial lutava – agora, tendo reencontrado o capitão Zúrin e passado a servir sob seu comando.
A história no final seria o feliz reencontro do casal em Simbirsk, não fosse a revolta de Chvabrin e sua vingança, realizada sob forma de acusação de Piotr como agente de ‘alta patente’ do comando do rebelado Pugatchev. Evitando a todo custo envolver aí a história de Maria e assim expô-la, Piotr está disposto a ser enviado à prisão perpétua na Sibéria e assim aconteceria se não fosse a intervenção da própria jovem órfã que, desesperada com a condenação do noivo e disposta a salvá-lo, vai à capital disposta a rogar clemência à própria Catarina II – o que, eventualmente, num romance romântico, ela acaba conseguindo fazer, e o desfecho esperado finalmente ocorre.
Aparentemente, a história gira mais em torno da vida militar e das lutas do jovem oficial Andrei Pietrovitch Griniov, permanecendo todo o restante em segundo plano. Por si, tal enredo já valeria a pena por, no estilo autêntico do romance, resgatar e exaltar a coragem e a bravura do herói que coloca os próprios interesses em segundo lugar para defender a nação – o que, em outras palavras, é o resgate de uma identidade nacional colocada em xeque no século XIX por uma sociedade que, algumas décadas mais tarde, veria seu governo, seu estilo de vida e sua economia desmoronarem na revolução bolchevique. Além disso, o relato histórico minucioso de Pushkin e sua linguagem comum valorizam e revelam ao mundo uma Rússia que era conhecida somente em seu próprio país, ao sabor das línguas e dialetos diferentes ali existentes.
A surpresa à qual me referi no início deste texto reside, porém, no fato de que o enredo da história de amor de Piotr e de Maria Ivánovna é o que na verdade constrói e justifica esta história. A jovem é caracterizada como simples e bem-educada camponesa, muito frágil e inocente, e um leitor desavisado poderia acreditar no seu papel secundário. No entanto, a rivalidade de Chvabrin com Piotr se dá por causa de seu amor rejeitado, e as reviravoltas e ataques, bem como a retomada do posto realizada pelos capitães oficiais e hussardos, é senão movida pelo desespero do jovem de livrar Maria do perigo iminente de cair nas mãos de Chvabrin.
É desta maneira que a leitura nos conduz através das perigosas travessias em território inimigo, levando-nos também a tomar conhecimento da personalidade rica de Pugatchev, o bom camarada que sabe reconhecer uma boa ação e que, ao mesmo tempo, não deixa de ser um assassino implacável. No último diálogo com o protagonista, ele explica que para ele, após tantos ataques e tanta matança, não há perdão possível, e o único caminho é a luta constante em busca do intento de se tornar czar – ou morrer tentando. A paixão e a lealdade são valores que Pugatchev conhece, e por isso permite que Piotr fique com Maria, sem desconfiar que, em última instância, essa união será a sua condenação.
Exímio escritor, Pushkin, que escreveu poemas e epopéias russas, não deixa de refletir no livro seus valores e um pouco da sua própria vida, tendo ele mesmo sido um jovem oficial rebelde e costumaz da vida na corte e tendo até mesmo morrido em decorrência de um duelo por honra de sua esposa; mas, ao batizar o romance A filha do capitão, consegue, num só movimento, juntar romance romântico, romance histórico e romance popular numa única obra onde a mulher, como tantas outras obras da literatura universal, é motivo e consequência do destino dos homens.
Fonte de informações sobre o autor: http://pt.wikipedia.org/wiki/Alexandre_Pushkin
A filha do capitão, vigésimo-terceiro livro publicado na coleção, narra a história de Andrei Pietrovich Griniov, jovem nobre da cidade de Simbirsk que, nos idos de 1770, é enviado pelo pai, militar reformado, a um ermo comando da gelada Rússia para que aprendesse sobre disciplina, responsabilidade, comando e assim amadurecesse para que pudesse, mais tarde, assumir suas responsabilidades para com suas propriedades e serviçais. Tratava-se, então, da velha Rússia dos czares, e Catarina II era a soberana de tão vasto território composto principalmente de gelo e de estepes.
Ora, sucede que, a caminho de seu posto, o jovem Piotr encontra um vagabundo que lhe salva da morte por congelamento no meio da estrada e, ainda que a contragosto de seu criado, dá ao malandro o casaco de pele que vestia e paga-lhe um copo de vinho quando chegam a uma hospedaria. Durante a mesma viagem, ainda comete o deslize de, por inocência, cair na lábia de um capitão Zúrin e para ele perder, em jogos, a vultosa quantia de cem rublos.
Finalmente, o rapaz encontra-se num posto militar isolado de tudo e de todos, onde a paliçada é feita de estacas em vez de pedras, e onde contam com 130 homens maltreinados, um velho capitão que mais recebia ordens de sua esposa do que comandava, e um único canhão. Naquele inóspito lugar desenvolve-se a trama principal do romance: o jovem apaixona-se por Maria Ivánovna Mirónov, a tal filha do capitão, mas não obtém do velho e rígido pai a permissão de com ela se casar. Mesmo assim, enamorado que está, descobre que o outro oficial que ali está também gosta dela e, por ter sido rejeitado, difama-a. O resultado é um duelo, do qual ele sai ferido. Salva-se desta e recupera-se em casa do capitão, sob os ternos cuidados de Maria, para raiva e desgosto do rival Chvabrin.
Pouco tempo depois, o posto é atacado e os que resistem são enforcados, incluindo aí o capitão e sua esposa. Embora seja leal à czarina, Piotr salva-se da forca porque o chefe dos bandidos, que promove a série de assaltos às aldeias não é outro senão o malandro a quem, meses antes antes, o jovem havia dado seu casaco e pago pela bebida. A esta altura, Chvabrin já se tornou um dos mais ardentes seguidores de Pugatchev, o líder das tropas rebeldes. Dono de boa memória e reconhecido, Pugatchev liberta-o e dá-lhe salvoconduto para que ele, enquanto defensor da czarina, rume para um posto ainda não tomado.
Muitas aventuras se passam, e todas parecem girar em torno de como as tropas de oficiais russas resistiam aos ataques de Pugatchev e de como, nos encontros espaçados entre este e Piotr, eles pareciam se entender, cada qual defendendo seu ponto de vista e sua filosofia de vida, enquanto uma Rússia carente de mãos administrativas e militares fortes se via desamparada, saqueada, torturada e abandonada à própria sorte. Nesse ínterim, e por intermédio de Piotr, Maria Ivánovna, órfã, é libertada do jugo de Chvabrin e enviada para a propriedade dos Griniov enquanto o jovem oficial lutava – agora, tendo reencontrado o capitão Zúrin e passado a servir sob seu comando.
A história no final seria o feliz reencontro do casal em Simbirsk, não fosse a revolta de Chvabrin e sua vingança, realizada sob forma de acusação de Piotr como agente de ‘alta patente’ do comando do rebelado Pugatchev. Evitando a todo custo envolver aí a história de Maria e assim expô-la, Piotr está disposto a ser enviado à prisão perpétua na Sibéria e assim aconteceria se não fosse a intervenção da própria jovem órfã que, desesperada com a condenação do noivo e disposta a salvá-lo, vai à capital disposta a rogar clemência à própria Catarina II – o que, eventualmente, num romance romântico, ela acaba conseguindo fazer, e o desfecho esperado finalmente ocorre.
Aparentemente, a história gira mais em torno da vida militar e das lutas do jovem oficial Andrei Pietrovitch Griniov, permanecendo todo o restante em segundo plano. Por si, tal enredo já valeria a pena por, no estilo autêntico do romance, resgatar e exaltar a coragem e a bravura do herói que coloca os próprios interesses em segundo lugar para defender a nação – o que, em outras palavras, é o resgate de uma identidade nacional colocada em xeque no século XIX por uma sociedade que, algumas décadas mais tarde, veria seu governo, seu estilo de vida e sua economia desmoronarem na revolução bolchevique. Além disso, o relato histórico minucioso de Pushkin e sua linguagem comum valorizam e revelam ao mundo uma Rússia que era conhecida somente em seu próprio país, ao sabor das línguas e dialetos diferentes ali existentes.
A surpresa à qual me referi no início deste texto reside, porém, no fato de que o enredo da história de amor de Piotr e de Maria Ivánovna é o que na verdade constrói e justifica esta história. A jovem é caracterizada como simples e bem-educada camponesa, muito frágil e inocente, e um leitor desavisado poderia acreditar no seu papel secundário. No entanto, a rivalidade de Chvabrin com Piotr se dá por causa de seu amor rejeitado, e as reviravoltas e ataques, bem como a retomada do posto realizada pelos capitães oficiais e hussardos, é senão movida pelo desespero do jovem de livrar Maria do perigo iminente de cair nas mãos de Chvabrin.
É desta maneira que a leitura nos conduz através das perigosas travessias em território inimigo, levando-nos também a tomar conhecimento da personalidade rica de Pugatchev, o bom camarada que sabe reconhecer uma boa ação e que, ao mesmo tempo, não deixa de ser um assassino implacável. No último diálogo com o protagonista, ele explica que para ele, após tantos ataques e tanta matança, não há perdão possível, e o único caminho é a luta constante em busca do intento de se tornar czar – ou morrer tentando. A paixão e a lealdade são valores que Pugatchev conhece, e por isso permite que Piotr fique com Maria, sem desconfiar que, em última instância, essa união será a sua condenação.
Exímio escritor, Pushkin, que escreveu poemas e epopéias russas, não deixa de refletir no livro seus valores e um pouco da sua própria vida, tendo ele mesmo sido um jovem oficial rebelde e costumaz da vida na corte e tendo até mesmo morrido em decorrência de um duelo por honra de sua esposa; mas, ao batizar o romance A filha do capitão, consegue, num só movimento, juntar romance romântico, romance histórico e romance popular numa única obra onde a mulher, como tantas outras obras da literatura universal, é motivo e consequência do destino dos homens.
Fonte de informações sobre o autor: http://pt.wikipedia.org/wiki/Alexandre_Pushkin
2 Comentários:
Parabéns pela iniciativa!!! Descobri este blog quando fui procurar por volumes que não tinha da coleção. Tenho 32 dessa coleção, mais 9 de outras coleções. ó não tenho o 15,16,18,23,25,28,29,47, 49. Só estou lendo as resenhas depois de ter lido os livros para não estragar a surpresa. rsrsrsrs
Puxa vida, que legal, Luiz! Você já tentou dar uma olhada pelo Mercado Livre? Tem alguns vendedores que anunciam livros da coleção! Veja por lá, ok? Boa sorte!!!
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