Coleção Clássicos da Literatura Juvenil

Apresentação e resenha dos livros da coleção editada pela Abril Cultural entre 1971 e 1973.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Volume 23 - A filha do capitão - Aleksander Pushkin


O projeto de ler e resenhar livros da coleção Clássicos da Literatura Juvenil durante este ano requer, como o leitor e a leitora deste blog devem imaginar, disciplina para pesquisar e manter o calendário de publicação semanal, e flexibilidade para procurar entender a obra em seu contexto sem que gostos pessoais influenciem tanto a experiência de leitura, embora saibamos todos que a imparcialidade é, neste caso, inexistente. Isso significa, pois, olhar para cada obra com olhos curiosos de aprender, que estejam despidos de preconceitos e que, sobretudo, eu, enquanto leitora, esteja sempre preparada para quaisquer quadros que se me apresentem durante a experiência de leitura e de pesquisa. Como é de se supor, nem sempre a experiência é lá tão boa – outras vezes, ela é realmente inesquecível --, mas bom mesmo é quando, no meio da leitura, eu me surpreendo com alguns aspectos da obra que estou lendo. Assim aconteceu com este livro do romancista russo Aleksander Sergeievitch Pushkin, publicado em 1836.

A filha do capitão, vigésimo-terceiro livro publicado na coleção, narra a história de Andrei Pietrovich Griniov, jovem nobre da cidade de Simbirsk que, nos idos de 1770, é enviado pelo pai, militar reformado, a um ermo comando da gelada Rússia para que aprendesse sobre disciplina, responsabilidade, comando e assim amadurecesse para que pudesse, mais tarde, assumir suas responsabilidades para com suas propriedades e serviçais. Tratava-se, então, da velha Rússia dos czares, e Catarina II era a soberana de tão vasto território composto principalmente de gelo e de estepes.

Ora, sucede que, a caminho de seu posto, o jovem Piotr encontra um vagabundo que lhe salva da morte por congelamento no meio da estrada e, ainda que a contragosto de seu criado, dá ao malandro o casaco de pele que vestia e paga-lhe um copo de vinho quando chegam a uma hospedaria. Durante a mesma viagem, ainda comete o deslize de, por inocência, cair na lábia de um capitão Zúrin e para ele perder, em jogos, a vultosa quantia de cem rublos.

Finalmente, o rapaz encontra-se num posto militar isolado de tudo e de todos, onde a paliçada é feita de estacas em vez de pedras, e onde contam com 130 homens maltreinados, um velho capitão que mais recebia ordens de sua esposa do que comandava, e um único canhão. Naquele inóspito lugar desenvolve-se a trama principal do romance: o jovem apaixona-se por Maria Ivánovna Mirónov, a tal filha do capitão, mas não obtém do velho e rígido pai a permissão de com ela se casar. Mesmo assim, enamorado que está, descobre que o outro oficial que ali está também gosta dela e, por ter sido rejeitado, difama-a. O resultado é um duelo, do qual ele sai ferido. Salva-se desta e recupera-se em casa do capitão, sob os ternos cuidados de Maria, para raiva e desgosto do rival Chvabrin.

Pouco tempo depois, o posto é atacado e os que resistem são enforcados, incluindo aí o capitão e sua esposa. Embora seja leal à czarina, Piotr salva-se da forca porque o chefe dos bandidos, que promove a série de assaltos às aldeias não é outro senão o malandro a quem, meses antes antes, o jovem havia dado seu casaco e pago pela bebida. A esta altura, Chvabrin já se tornou um dos mais ardentes seguidores de Pugatchev, o líder das tropas rebeldes. Dono de boa memória e reconhecido, Pugatchev liberta-o e dá-lhe salvoconduto para que ele, enquanto defensor da czarina, rume para um posto ainda não tomado.

Muitas aventuras se passam, e todas parecem girar em torno de como as tropas de oficiais russas resistiam aos ataques de Pugatchev e de como, nos encontros espaçados entre este e Piotr, eles pareciam se entender, cada qual defendendo seu ponto de vista e sua filosofia de vida, enquanto uma Rússia carente de mãos administrativas e militares fortes se via desamparada, saqueada, torturada e abandonada à própria sorte. Nesse ínterim, e por intermédio de Piotr, Maria Ivánovna, órfã, é libertada do jugo de Chvabrin e enviada para a propriedade dos Griniov enquanto o jovem oficial lutava – agora, tendo reencontrado o capitão Zúrin e passado a servir sob seu comando.

A história no final seria o feliz reencontro do casal em Simbirsk, não fosse a revolta de Chvabrin e sua vingança, realizada sob forma de acusação de Piotr como agente de ‘alta patente’ do comando do rebelado Pugatchev. Evitando a todo custo envolver aí a história de Maria e assim expô-la, Piotr está disposto a ser enviado à prisão perpétua na Sibéria e assim aconteceria se não fosse a intervenção da própria jovem órfã que, desesperada com a condenação do noivo e disposta a salvá-lo, vai à capital disposta a rogar clemência à própria Catarina II – o que, eventualmente, num romance romântico, ela acaba conseguindo fazer, e o desfecho esperado finalmente ocorre.

Aparentemente, a história gira mais em torno da vida militar e das lutas do jovem oficial Andrei Pietrovitch Griniov, permanecendo todo o restante em segundo plano. Por si, tal enredo já valeria a pena por, no estilo autêntico do romance, resgatar e exaltar a coragem e a bravura do herói que coloca os próprios interesses em segundo lugar para defender a nação – o que, em outras palavras, é o resgate de uma identidade nacional colocada em xeque no século XIX por uma sociedade que, algumas décadas mais tarde, veria seu governo, seu estilo de vida e sua economia desmoronarem na revolução bolchevique. Além disso, o relato histórico minucioso de Pushkin e sua linguagem comum valorizam e revelam ao mundo uma Rússia que era conhecida somente em seu próprio país, ao sabor das línguas e dialetos diferentes ali existentes.

A surpresa à qual me referi no início deste texto reside, porém, no fato de que o enredo da história de amor de Piotr e de Maria Ivánovna é o que na verdade constrói e justifica esta história. A jovem é caracterizada como simples e bem-educada camponesa, muito frágil e inocente, e um leitor desavisado poderia acreditar no seu papel secundário. No entanto, a rivalidade de Chvabrin com Piotr se dá por causa de seu amor rejeitado, e as reviravoltas e ataques, bem como a retomada do posto realizada pelos capitães oficiais e hussardos, é senão movida pelo desespero do jovem de livrar Maria do perigo iminente de cair nas mãos de Chvabrin.

É desta maneira que a leitura nos conduz através das perigosas travessias em território inimigo, levando-nos também a tomar conhecimento da personalidade rica de Pugatchev, o bom camarada que sabe reconhecer uma boa ação e que, ao mesmo tempo, não deixa de ser um assassino implacável. No último diálogo com o protagonista, ele explica que para ele, após tantos ataques e tanta matança, não há perdão possível, e o único caminho é a luta constante em busca do intento de se tornar czar – ou morrer tentando. A paixão e a lealdade são valores que Pugatchev conhece, e por isso permite que Piotr fique com Maria, sem desconfiar que, em última instância, essa união será a sua condenação.

Exímio escritor, Pushkin, que escreveu poemas e epopéias russas, não deixa de refletir no livro seus valores e um pouco da sua própria vida, tendo ele mesmo sido um jovem oficial rebelde e costumaz da vida na corte e tendo até mesmo morrido em decorrência de um duelo por honra de sua esposa; mas, ao batizar o romance A filha do capitão, consegue, num só movimento, juntar romance romântico, romance histórico e romance popular numa única obra onde a mulher, como tantas outras obras da literatura universal, é motivo e consequência do destino dos homens.

Fonte de informações sobre o autor:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Alexandre_Pushkin

2 Comentários:

Blogger LUIZGARCIA disse...

Parabéns pela iniciativa!!! Descobri este blog quando fui procurar por volumes que não tinha da coleção. Tenho 32 dessa coleção, mais 9 de outras coleções. ó não tenho o 15,16,18,23,25,28,29,47, 49. Só estou lendo as resenhas depois de ter lido os livros para não estragar a surpresa. rsrsrsrs

25 de junho de 2010 às 15:34  
Blogger Fabiana Tavares disse...

Puxa vida, que legal, Luiz! Você já tentou dar uma olhada pelo Mercado Livre? Tem alguns vendedores que anunciam livros da coleção! Veja por lá, ok? Boa sorte!!!

26 de junho de 2010 às 00:41  

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