Coleção Clássicos da Literatura Juvenil

Apresentação e resenha dos livros da coleção editada pela Abril Cultural entre 1971 e 1973.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Volume 14 - Robin Hood (sem autor)


Robin Hood é o décimo quarto livro publicado na coleção Clássicos da Literatura Juvenil e o primeiro desta coleção a não pertencer a um autor definido. A história é uma composição adaptada por Monteiro Lobato com base nas lendas e nos vários registros da história do maior bandoleiro inglês que roubava dos ricos e opressores para dar aos pobres e assistir as mulheres e aos órfãos.

A história do bandido que virou herói nacional remonta do século XIII, coincidindo com a época em que o Rei Ricardo III, mais conhecido como Ricardo Coração de Leão, viveu e combateu cruzadas contra os mouros. Nessa época, o então duque de Huntington, destituído de seu título e de seus bens devido a armações políticas, vê crescer seu filho Robert of Lochsley e o educa para ser um guarda real das florestas de Nottinghamshire, ao mesmo tempo em que a esposa incute no filho a boa educação da corte que se espera de um nobre. O coração do garoto está nas florestas de Sherwood, onde passeia com o primo e com Marian, a filha do homem que havia roubado o título e os bens do pai, e por quem ele era apaixonado. Sucede-se que, aos 19 anos, novamente por motivos políticos e financeiros, Robin e seus pais são levados sumariamente à prisão, de onde ele e a mãe saem no dia seguinte, mas não o pai.

As consequências de tal acontecimento são as que armam o palco para o enredo repleto de aventuras. Robin passa a se misturar com outros foragidos injustiçados em nome do Estado e da Igreja; exímio atirador com arco-e-flecha e cavaleiro por nascimento, torna-se o líder de um bando que se inicia em 40 e chega a 140 homens ao longo dos anos, todos identificados pela destreza com armas, pela justiça que fazem aos pobres e proteção que oferecem aos desamparados, pelo bom-humor e coragem extremos, e pela vestimenta verde dos tecidos que compravam em Lincoln, com que arregimentar a todos.

Os maiores inimigos de Robin Hood estão localmente representados, um para cada instituição: o xerife de Nottingham para o Estado, e o Bispo de Hereford para a Igreja. Ambos vivem basicamente às custas dos impostos que cobravam dos nobres e da população mais pobre, e dos espólios que à força tomavam daqueles que não "pagavam devidamente" seus impostos. O xerife via em Robin mais do que alguém que desafiava suas leis: via nele o homem que havia desprezado sua filha em nome de uma outra dama (Marian), por ocasião do torneio de arco-e-flecha em que Robin havia ganhado o primeiro prêmio e ofertado à sua amada. Ao fazer isso, não só ele humilha o xerife, como deixa de nomear sua filha a rainha da região, pois ao vencedor cabia ofertar o prêmio àquela que seria rainha da região. Devo lembrar que estamos falando de uma Inglaterra entre os séculos XII e XIII, organizada em feudos e interessada em se estabelecer como nação, lutando contra mouros, contra saxões, e contra reincidentes de países vizinhos, como Escócia e Irlanda.

As aventuras de Robin Hood se desenrolam numa sucessão de tapas, lutas, pilhérias com o xerife e o Bispo, resgate de amigos, e auxílio aos necessitados. Num dado momento, destituída dos bens de seu pai e ameaçada de ter sua honra tomada, Marian viria a se juntar ao bando de Robin e com ele teria permanecido até que morresse.

Fato curioso de ser notado nesta lenda é que, assim como os santos, Robin Hood tem origem nobre e não hesita em ir em socorro dos mais necessitados. Na verdade, esta origem é o que parece ter-lhe valido muitas das ocasiões das quais se safa, quando, por exemplo, explica à Rainha Eleanor qual é sua origem, e quando faz o mesmo ao nobre Richard de Lea e ao próprio Ricardo Coração de Leão. Dito de outro modo, significa dizer que a condição social e econômica da qual Robin Hood teria se originado é responsável pelo discernimento, pelo caráter e pelas escolhas que faz em favor da distribuição mais justa de bens materiais, quando naquela época (bem, sabemos que não só naquela época...) justamente os que eram mais abastados detinham o poder de vida e de morte do povo e ainda assim não tratava tal responsabilidade com o respeito e a atenção devidas.

Com relação às suas ações contra o clero, também é preciso salientar nas obras acerca do herói a sua preferência e a sua devoção às mulheres, o que nos leva a entender a personagem segundo a tradição da religião pagã celta, vigente na Grã-Bretanha e somente aos poucos, e à custa de muitas manobras e sacrifícios, foi absorvida pela Igreja Católica e posteriormente pela anglicana. Robin era, afinal, um herói que respeitava a natureza e nela vivia, e que reverenciava as mulheres e os amigos fiéis, e não a uma Igreja cujo Deus era terrível, temido, cultuado em locais fechados, como abadias e igrejas, e que parecia justo somente aos que possuíam algum dinheiro.

A história contada por Monteiro Lobato se encerra com dois momentos cruciais: o casamento de Robin e Marian e a dissolução do bando, que tem seu trabalho reconhecido pelo Rei Ricardo III e que é por ele nomeado guarda real; e a morte de Marian, pela peste, a perambulação de Robin pelas terras ermas e finalmente sua morte, causada por infecção e por sangramento -- este causado pela filha do xerife de Nottingham, que se havia tornado freira e jamais havia esquecido a recusa de Robin e a humilhação que qual havia passado. Para este trabalho, Monteiro Lobato parece ter se valido de uma obra do século XVIII, intitulada "A Morte de Robin Hood" na qual o autor descreve Kirkslee, na foresta de Barnsdale, ao lado oeste do condado de Yorkshire, como local de descanso final do herói.

Embora haja muitos registros -- e muito, muito antigos, datando de 1247, por exemplo -- sobre Robin Hood, jamais se pôde provar a existência do homem Robert of Lochsley, assim como jamais se pôde provar a existência de Arthur Pendragon, outra personagem que oportunamente discutiremos neste blog. O importante a salientar, no caso de Robin Hood, não é a origem nobre e o caráter ou o bom coração da personagem (embora tudo isso sempre conte para a exaltação da figura nacional que ele se tornou através dos séculos), mas o fato de que, curiosamente, foi na Inglaterra que vimos nascer o primeiro herói literário socialista e, se não ateu, descrente do Deus católico. A tradição de um país parece se manter e, séculos mais tarde, seria ali que a humanidade testemunharia a pressão da Revolução e do capitalismo e os levantes socialistas e comunistas contra os oprimidos, como também tivemos oportunidade de acompanhar em algumas das obras que já passaram pela coleção Clássicos da Literatura Juvenil.

O que eu espero é que, a esta altura, as pessoas tenham entendido, é que um livro não é mera representação da imaginação ouu simples imitação do gênio de outro: mais do que isso, ele é fruto do seu próprio tempo, e por isso responde em estilo, em tema e tem tratamento de assuntos ao que corria à época de sua pulicação. Ou, dizendo de maneira mais direta, um livro ou qualquer outro objeto de arte é sempre o resultado de seu tempo, é a manifestação das condições de sua própria produção. Se a Inglaterra não fosse um lugar oprimido, com feudos, com guerras e com a peste, Robin Hood não teria surgido. Do mesmo modo, se a Revolução Industrial e o expansionismo inglês não tivessem levado hordas de crianças a trabalharem ou a ficarem abandonadas, sub-empregadas, Dickens jamais teria material para trabalhar. Ou, ainda, se a Grécia não fosse o império em expansão, não haveria Odisséia.

Economia, sociedade, história, costumes: tudo se mistura num grande caldeirão cultural e nos dá o caldo que temos a felicidade de poder usufruir para não só ter momentos de lazer, ou para que sirva de material de base à indústria cultural, à fábrica de entretenimento que são as revistas, os jogos, os produtos comerciais, o próprio cinema, mas para que possamos aproveitar a chance de aprender com eles, a fazer as conexões, a entender o nosso passado e, assim, nos tornarmos mais conscientes da nossa responsabilidade frente às nossas ações. É nisso que eu penso quando vejo uma lenda tão antiga que ecoa até hoje e nos faz pensar no melhor de cada um de nós.




fonte de informações sobre a lenda de Robin Hood: http://pt.wikipedia.org/wiki/Robin_Hood

2 Comentários:

Blogger Amilton disse...

O criador de Robin Hood chama-se Joseph Ritson (2 de Outubro de 1752 – 23 de Setembro 1803) foi um ensaísta e escritor inglês.
Compilou e editou baladas antigas, destacando-se Robin Hood: A Collection of All the Ancient Poems, Songs, and Ballads, Now Extant Relative to That Celebrated English Outlaw: To Which are Prefixed Historical Anecdotes of His Life, uma compilação de baladas, romances, peças e anedotas sobre Robin dos Bosques (segundo a lenda, era como o chamavam). Segundo Roger Lancelyn Green, foi só depois de Ritson ter feito esse trabalho que Robin Hood (dos Bosques) entrou realmente na literatura. Compilou também contos de fadas (com dissertações sobre fadas e pigmeus) e lendas sobre o Rei Artur.
Era vegetariano e o seu livro An Essay On Abstinece From Animal Food, As A Moral Duty, publicado em 1802 causou grande polémica.
Era amigo de Walter Scott.

10 de novembro de 2015 às 23:37  
Blogger Amilton disse...

Este comentário foi removido pelo autor.

10 de novembro de 2015 às 23:40  

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