Coleção Clássicos da Literatura Juvenil

Apresentação e resenha dos livros da coleção editada pela Abril Cultural entre 1971 e 1973.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Volume 16 - Mulherzinhas - Louisa May Alcott

Mulherzinhas é um dos livros da coleção Clássicos da Literatura Juvenil que eu não tinha lido até que a oportunidade para a resenha se apresentasse, embora o mesmo não possa ser dito com relação à adaptação cinematográfica de 1994, a que assisti inúmeras vezes.

Originalmente publicado como romance acabado em 1871, o livro apresenta o crescimento de quatro irmãs da família March: Margarida, Josefina, Elizabeth e Amélia. Elas são filhas da tradicional família March, de classe média falida, no condado de Concord, norte dos Estados Unidos. Com o pai idoso lutando na Guerra Civil e a mãe trabalhando em centros de caridade, elas contam com Ana, a empregada, e umas com as outras, para alegrarem-se, cuidarem da casa, e aprenderem a crescer. Contam, ainda, com o jovem vizinho Lourenço, com quem Josefina tem mais afinidade, e assim vão levando a vida em meio às descobertas da vida e da sociedade americana.

Neste romance doméstico, o que não falta, na verdade, são lições de moralismo e de caridade. Embora bastante doce e cativante, a narrativa não perde a oportunidade de apresentar os defeitos das mocinhas como falta de compostura social, como vaidade exacerbada, ou até mesmo como falta de costumes sociais, posto que estavam quase à margem da sociedade devido à dificuldade financeira de seu pai. Assim acontece, por exemplo, logo no início do romance, quando as meninas decidem que férias são feitas para serem plenamente vividas, e sua mãe decide ensinar-lhes pelo exemplo que o ócio é ruim, bem como o trabalho feito o tempo todo sem tempo para descanso. Passando pela experiência de nada fazerem a semana inteira, e em seguida por não pararem um só minuto para descanso no sábadoo, as meninas aprendem que o equilíbrio é a chave para uma vida feliz e saudável, que sermões ou pregações tenham sido empregados.

A narrativa segue, e as meninas estreitam laços com os vizinhos. O velho Sr. Lourenço, avô de Lourenço, enternece-se pela arte e pelo dom da tímida Elizabeth, que toca o piano em sua casa, e o dá de presente a ela. Secretamente, o tutor do garoto Lourenço apaixona-se por Margarida, uma pequena dama em formação. Josefina empenha-se em se tornar uma escritora, lendo muito enquanto trabalha como dama de companhia para a tia velha e rabugenta, irmã de seu pai, e Amélia deixa de estudar na escola e passa a ficar em casa e a aprender com Margarida, e depois passa a morar com a tia, como forma de moldar seu caráter.

Aos poucos, a irmã mais velha, tutora de crianças ricas, aprende a amar João Brooke, tutor do jovem Lourenço. Josefina deixa de trabalhar para a tia, ouve o amigo Lourenço declarar-se para ela, nega-lhe o pedido de casamento, vai para Nova York tornar-se tutora e para tentar escrever e ver seus trabalho publicados, e conhece o professor alemão Frederico Baher, por quem acaba se apaixonando. Juntos, eles transformam a propriedade que Josefina herda da tia em uma escola para meninos. Ao percorrer este caminho, aprende que nem sempre liberdade significa poder fazer o que quer, mas que pode ser útil à sociedade e ser caridosa ao mesmo tempo. Elizabeth, de saúde frágil, contrai escarlatina, cura-se e, durante todo o romance, dedica-se a cuidar de sua família, sem que tenha interesse em mudar sua situação; e a mimada e voluntariosa Amélia passa uma temporada em Paris e se torna esposa do jovem Lourenço. Este, afinal, aprende que nem só de gostos pessoais e da boemia se pode viver, e toma as responsabilidades dos negócios do avô para si. O grande salto para a responsabilidade é dado quando ouve a repreensão de Amélia, pois é quando decide que para ser digno de seu amor, já que Josefina nunca o amou mais do que a um irmão, ele deve ser digno de si mesmo, em primeiro lugar.

Como se pode ver, a narrativa não apresenta grandes saltos ou reviravoltas, e vai muito no estilo romântico da época. No entanto, o leitor há de prestar atenção não à historinha contada, mas ao modo como ela é contada e por quem ela é contada. Falo, obviamente, da autora Louisa May Alcott, que era notadamente feminista e abolicionista. Filha de um professor de filosofia que seguia doutrinas europeias, mais especificamente alemãs -- como o transcendentalismo, Ela viveu num ambiente escolar de formação patriótica e altamente moralista. Os primeiros rascunhos da história de Mulherzinhas foi publicado em 1868 e surgiu como romance somente em 1871, seis anos após o término da Guerra, com vitória para os abolicionistas do norte -- ou da União, como eram conhecidos.

O romance é, pois, um relato semibiográfico em que se pode enxergar, sem dificuldade alguma, a própria autora como a audaciosa Josefina, e o professor Baher como a encarnação masculina dos ideais de educação, cultura e distinção que ela via no pai.

O sucesso do romance foi estrondoso porque certamente correspondia aos valores da época. Destruídos pela fome, pelas doenças, pela miséria, pela violência e pelo trabalho árduo de mulheres e crianças, em decorrência da guerra que durara 4 anos, os americanos encontravam-se num estado tal de fragilidade identitária, que precisavam recuperar o sentido de nação, e nada melhor do que instrumentos que lhes reassegurassem e resgatassem a resposta a uma pergunta que já perdera sua resposta há muito tempo: por que é mesmo que lutamos? E para que mesmo é que lutamos e morremos, afinal? Política e economia à parte, o romance ajudou seus jovens leitores a compreenderem o valor do amor, da abnegação, da conformação social e econômica -- pois trata-se de personagens que eram relativamente ricas e se tornam pobres, e que vivem felizes mesmo sendo pobres -- e, desse modo, atraiu para a autora a notoriedade e o reconhecimento que a estimulariam a escrever mais romances de cunho familiar e patriótico e, quinze anos depois, em 1886, a continuação do romance, intitulado A Rapaziada de Jô.

A fama durou relativamente pouco para Alcott: em 1888, ela viria a morrer de complicações de uma doença não diagnosticada (nunca se soube se a morte ocorrera por envenenamento de mercúrio usado para fins medicinais, se por meningite ou se por lúpus). Isso não impediu, porém, que outras mulheres trilhassem seu caminho, e com maior sucesso ainda, como foi o caso de Laura Ingalls Wilder. Tampouco impediu que esse material 'literário', embora muito comovente e construído num mundo idílico, utópico e numa sociedade quase pré-capitalista, assumisse seu caráter predominantemente ideológico e de formação da identidade nacional e fosse celebrado assim durante as décadas que se seguiriam a eles, fosse por meio de professores que os considerassem autobriografias de vidas exemplares de americanos, por meio de homenagens aos autores, ou por meio de toda sorte de resgate da narrativa, como é o caso das inúmeras edições de Mulherzinhas que vieram no século XX, bem como de todas as adaptações para o drama, a TV e o cinema que a sociedade testemunhou e durante muito tempo 'comprou' -- eu mesma tendo sido uma durante muito, muito tempo antes de entender que devemos ler a obra como ela é: uma ficção sobre um tempo remoto e uma versão possível de sociedade e de valores, e não como referência absoluta do americanismo. No final, tamanha é a eficácia da indústria cultural, que aml podemos diferenciar uma coisa da outra, embora sempre tenhamos de estar vigilantes para apreciar sem jamais deixar de lado nossas considerações críticas a respeito de tudo o que lemos, vemos, escutamos e testemunhamos -- em suma, do que vivemos.

Fonte de informações sobre a autora: http://pt.wikipedia.org/wiki/Louisa_May_Alcott (em português) e http://es.wikipedia.org/wiki/Louisa_May_Alcott (em espanhol -- mais completa).





3 Comentários:

Blogger Gêneros Textuais disse...

E pensar que em 2000 e poucos minha mãe surtou e jogou essa minha coleção inteira no lixo. Só fiquei sabendo 2 dias depois, quando não podia fazer mais nada. Ganhamos esta coleção de um amigo do meu pai - alguns livros não tinham sido nem abertos.

Mulherzinhas foi o primeiro da coleção que eu li. Comecei lendo nas férias escolares de 1993 e então li um por semana no ano de 1994 - hoje percebo que o falecimento da minha avó contribuiu para este momento de reclusão e imersão em outros mundos que não o meu, me tornando a garota estranha e excêntrica da escola. Mas hoje - ainda bem! - vejo que esta coleção aumentou o meu amor pela leitura e abriu a minha cabeça de forma indizível.

Tenho saudades dos meus nove anos de idade. Era um mundo bonito demais.

Parabéns pela coleção! Tô com um pouquinho de inveja!

4 de novembro de 2010 às 08:35  
Blogger Fabiana Tavares disse...

Obrigada, Suca. Não desista de refazer sua coleção, se você realmente a quer. Eu demorei 3 anos para consegui-la, "garimpando" com meu pai, em sebos e na internet. Estante virtual e mercado livre são exemplos. Hoje eu vi uma muito cara: oitocentos e cinquenta reais na internet, mas você consegue mais barato que isso. Vá comprando com calma e fazendo a listinha. Você vai ver que, uma hora, você terá todos! Boa sorte!

7 de novembro de 2010 às 17:24  
Blogger Unknown disse...

Olá, a uns 3 anos atras eu li Mulherzinhas na minha escola e simplesmente ME APAIXONEI! é o meu livro preferido desde então! E desde que o li, comecei a pequisar sobre a autora, sobre o livro, onde poderia comprar, etc. E eu queria MUITO saber quais são TODOS os livros dessa coleção, qual o primeiro, o segundo... até o ultimo, na ordem certinha se possível. Queria saber se todos foram traduzidos e se não são muito "pesados" (sexo,etc) os outros. Queria saber por fim se será possível eu encontrar todos e comprá-los pela internet. Esses comentarios são de 2010, provavelmente você nunca vai ver isso, mas não custa tentar, porque quero MUITO TODOS OS LIVROS, se todos foram traduzidos claro. Espero poder contar com sua ajuda, muito obrigada.

19 de setembro de 2013 às 21:54  

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