Coleção Clássicos da Literatura Juvenil

Apresentação e resenha dos livros da coleção editada pela Abril Cultural entre 1971 e 1973.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Volume 13 - Beleza Negra - Anna Sewell


Beleza Negra é o décimo terceiro volume publicado na coleção Clássicos da Literatura Juvenil. Escrito por Anna Sewell e publicado em 1877, a obra relata de forma bastante comovente a trajetória do cavalo de raça cujo nome é Beleza Negra, na Inglaterra do século XIX.

O foco narrativo é em primeira pessoa, o que equivale a dizer que, curiosamente, é o cavalo que narra a história, humanizando-a porque traduz suas experiências, pensamentos, crenças e sentimentos como as de um humano. Assim, ele conta das desventuras de sua vida desde o momento em que nasce numa boa fazenda até o momento em que, após muitos problemas de doença, de espancamento, de desmazelo e de ignorância por parte dos diversos cocheiros para os quais trabalha, ele encontra uma boa família que o acolha. Não por acaso, o cocheiro desta família é senão aquele que, no início da narrativa, havia-o conhecido em seus tempos de glória, e por isso reconhece seu valor e trata-o conforme o livro explica que os animais devem ser tratados. Nesse ínterim, Beleza Negra trata também das mazelas de uma égua chamada Gengibre, desde sua chegada intempestiva ao celeiro onde ele morava, até quando a vê morta.

A história criada por Sewell foi fruto de um profundo conhecimento sobre cavalos e de seu amor aos animais. Além disso, a alta dose de religiosidade e de moralismo à obra dá-se também devido à criação da escritora, que advinha de família quacre (ou Quacker, como é conhecida a religião). Sua ligação com os cavalos aumenta porque, tendo se acidentado na juventude, passa a depender deles e decorrentemente aprende muito sobre a realidade das criações, das vendas, das rotinas dos referidos animais, bem como das atrocidades cometidas contra eles.

Creio, porém, que o tom piegas desta narrativa aclamada pela literatura infantil e juvenil não é o que mais importa, em termos de literatura. Certamente, Sewell prega enfaticamente contra a bebida, contra o trabalho aos domingos, contra a falta de respeito aos empregados, contra os maus tratos a homens e animais e a favor da humanidade, do amor, da fé e da união familiar. Acontece de a obra ser um verdadeiro achado no que diz respeito ao quadro econômico e social inglês da primeira metade do século XIX, pois ao narrar a trajetória de Beleza Negra, Sewell delineia todas as etapas pelas quais um cavalo pode passar e, com ela, tudo o que as cercam: o entorno arquitetônico e econômico das casas e dos senhores de cavalos, das baias, dos cavalos, da qualidade e da conservação dos animais, das rações dadas, dos tipos de trabalho em que eram empregados de acordo com sua qualidade, sua criação e seu estado de conservação, e o mundo do trabalho e da economia que gira em torno disso.

O leitor percebe, ao terminar a leitura, que um cavalo de raça bem criado vale 100 guinéus, mas um cavalo que já sofreu muito na vida, que se tornou defeituoso por estafa, negligência do dono ou até mesmo crueldade, vale no máximo 5 libras, ou então é levado ao esfoladouro para que lhe aproveitem o couro.
A narrativa revela de forma escancarada que tanto homem quanto animal são tratados como produtos negociáveis por dinheiro: um homem judia de seu cavalo sobrecarregando-o porque tempo de entrega de produtos custa dinheiro. Um homem judia de um cavalo ao mantê-lo em rédea curta porque a moda aristocrática londrina não aceita que seja de forma diferente e, portanto, como consumidores do produto que melhor pagam por ele, exigem que o sacrifício do animal seja feito, sem ligar para o fato de que isso encurta a vida do cavalo. Do mesmo modo, um cocheiro de carro de aluguel judia e esfalfa o animal, chicoteando-o para que corra pelas ruas de Londres porque deve primeiro alcançar a meta diária de 18 xelins para pagar ao dono da frota para depois conseguir angariar o dinheiro do dia com que sustente sua família e a si.

Neste escandaloso processo de reificação, até mesmo a religião não deixa de se misturar com a política, seja de forma sutil ou declarada: um homem como o coheiro Reuben Smith é culpado por embebedar-se e é sua culpa morrer porque não segue as leis de Deus; e se sua mulher com cinco filhos fica desamparada, foi porque o marido lhe faltou, e não porque o dono da propriedade, vendo-a sem meios de subsistência, tenha lhe dito que se arranjasse como pudesse, de forma que ela tenha ido para uma casa de indigentes. No entanto, um homem que acredita em Deus e respeita o dia santo para descanso e para permanecer com a família é recompensado porque ao proporcionar descanso a si e ao animal, trabalha com mais vigor durante a semana e isso lhe rende mais dinheiro. Em nome da dignidade, da união familiar, da fé, do respeito cristão e de poupar homem e animal, o cocheiro pode até mesmo falar em todos os cocheiros da cidade pararem de trabalhar num domingo para que a aristocracia perceba seus abusos e desmandos para com os cocheiros e seus animais em tílburis de aluguel (ora, eo que é isso senão uma 'greve'? A autora não usa a palavra, mas a ideia está no texto!). Por isso é que um homem assim, tal como é o velho Jerry, condutor de tílburi de aluguel em Londres, pode se dar ao luxo de recusar corridas que judiariam de seu cavalo, e mesmo assim, no final, não se vê financeiramente prejudicado, já que Deus provê para que ele seja sempre amparado.

No todo, Beleza Negra surpreende porque ultrapassa o limite do piegas e consegue aliar esta discussão bastante séria sobre o trabalho, o dinheiro, a política, a religião e as classes sociais à linguagem bastante didática e agradável do narrador, e considero que o segredo do sucesso do livro e de sua permanência deva-se a esta química bastante homogênea, no que inicialmente se supunha que pudesse causar dissabor para quem lê a obra. Acredito, ainda que este caráter histórico e materialista da obra tenha passado consideravelmente ileso através das décadas, e que o mote religioso e caridoso tenha pesado mais para que ele não fosse censurado ou banido, de forma que hoje nós, leitores, possamos testemunhar seu valor, como tantos outros o fizeram.

Fontes de informação sobre a autora:

2 Comentários:

Blogger FBAIÃO disse...

Olá, Fabiana!
De pronto, gostaria de saudá-la pela proposta em expor os Clássicos editados por essa Coleção Abril, de maneira tão cuidadosa. Mesmo com todos os recursos disponíveis na rede, é difícil achar registros que salvaguardem boas iniciativas editoriais.

Sobre isso, tenho uma aluna de 11 anos que me questionou eufórica sobre uma tradução do "Black Beauty" editada pela Abril. Eis o que me impulsionou a essa visita.
Gostaria de saber de quem é a tradução nesse 13 volume, pois não consegui visualizar essa informação na capa do livro.
Ficarei muito grata pela informação sobretudo para fomentar o encanto de uma leitorazinha fugaz.

Se puder, me responder à informação por email: flaviabaiao@gmail.com

Desde já grata,
Flávia.

13 de fevereiro de 2011 às 15:39  
Blogger Fernanda disse...

Olá Fabiana!

queria o resumo do livro beleza negra.por favor se puder me responder no e-mail:
fer.bp.002@hotmail.com.

deste já grata,
Fernanda.

7 de abril de 2012 às 14:46  

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