Coleção Clássicos da Literatura Juvenil

Apresentação e resenha dos livros da coleção editada pela Abril Cultural entre 1971 e 1973.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Volume 47 - A pequena Fadette - George Sand

George Sand cresceu no campo. No quintal de casa, em Nohant, isolava-se; na escola, escrevia e montava peças teatrais, sempre com sucesso. Em seus anos de formação, esteve com a avó materna, única parente que lhe restava e que foi responsável pela sua criação. A situação mudou com a morte da avó e um casamento realizado ainda aos 18 anos. Em Paris, nos anos 1830, conheceu a boemia, a revolução, a literatura e os movimentos sociais. Teve filhos, teve amantes, publicou em panfletos, e adotou o que algumas pessoas definem como socialismo místico.

Tal resumo seria até esperado se George Sand fosse, como o nome diz, um homem, mas não era: tratava-se de uma moça cujo nome era Amandine-Aurore-Lucile Dupin -- um nome bem feminino e delicado, aliás --, e que, quando criança, divertia-se com seu passatempo solitário de brincar nos jardins de Nohant com seus amigos invisíveis. No internato, agradava-lhe a reclusão e chegou mesmo a pensar em ser freira. A convivência com a avó deu-lhe o tempero pela vida e a paixão pelo campo que ela levaria consigo mesmo morando nas cercanias da capital francesa.

Assim, a escritora de pseudônimo masculino, que deu muito o que falar nos salões da corte e nos círculos sociais que frequentava, devido à sua independência e à sua relação com Chopin, não abandonou o tema rural mesmo após todas as revoluções sofridas no país. Ao contrário, aliou-a à causa social e, desse casamento, surgiu A pequena Fadette, que a coleção Clássicos da Literatura Juvenil apresenta em seu quadragésimo-sétimo volume.

Na região da Cosse, em meados do século XIX, uma próspera família de fazendeiros recebe o presente de dois filhos gêmeos idênticos: Sylvain, o primeiro a nascer, e Landry. A superstição do campo leva a parteira a aconselhar aos pais que separem os gêmeos tão logo quanto possam, levando-os a lugares diferentes durante o dia, vestindo-os de forma diversa e repreendendo-lhes ou elogiando-os em momentos separados. O objetivo é não torná-los tão unidos como dita a experiência, mas os pais ignoram o conselho e, vendo os filhos tão felizes, esquecem do que a mulher lhes diz. As crianças se desenvolvem e a personalidade aflora. Sylvinet é ligeiramente mais franzino, dado às tarefas caseiras e muito mais ligado à mãe, enquanto Landry se interessa pela vida no campo, é brincalhão e mais ligado ao pai. Isso não os impede de serem, como se diz, unha e carne. Eis, porém, que chega o dia em que o compadre Barbeau precisa enviar um dos gêmeos ao compadre Caillaud, seu vizinho, para que lá trabalhe traga a renda para a família numerosa, porque os Barbeau têm muitos filhos e tantas mãos não são assim necessárias no pedaço de terra que possuem. Após muito pensar com a mulher, decide enviar Landry, por crer que este superará a separação. A reação dele é de resignada aceitação diante da promessa de vir para casa aos domingos, mas Sylvinet adoece ante a possibilidade. Para poupar-lhe a cena de despedida, Landry sai de madrugada, mas o irmão entende que ele sequer quis se despedir.

Na casa dos Caillaud, Landry vai se acostumando com a rotina do trabalho, apegando-se ao campo, à terra e aos animais, aprendendo a brincar com os amigos e a olhar e paquerar as moças da vila, apaixonando-se por Madelon, a sobrinha do compadre Caillaud. Sylvinet, por outro lado, percebendo que o irmão passa a se interessar por outras coisas e outras pessoas, torna-se cada vez mais soturno, solitário, ensimesmado e deprimido. Afasta-se das pessoas, isola-se no campo e faz questão que todos vejam o quanto ele está sofrendo pelo irmão que trai o seu sentimento, pois é esta a visão que ele tem da situação. Chega mesmo a fugir de casa na madrugada de um domingo só para que não veja o irmão e para que sintam sua falta. Sem dúvida, Landry sai em busca do irmão quando não o vê em casa, ao chegar na casa de sua família, e não o encontra sozinho.

Este é o ponto da narrativa em que a personagem-título entra na história, Fadette, uma menina franzina, tida como feia, e maltrapilha, cruza o caminho de Landry, espezinhando-o por ser um rapaz metido que não liga para ela e para o irmão caçula dela. Apelidada de Gralha pela tez morena de sol e pelos modos espevitados como os de um menino, Fadette -- ou Françoise Fouchon, como saberemos ao ler o restante da história -- foi abandonada pela mãe junto com o irmão mais novo, Jeanet, para que a avó os criasse. Ela mesma sendo uma velha que vivia num casebre afastado do vilarejo e conhecedora das ervas e plantas medicinais da floresta, sobrevive com base na venda dos unguentos e remédios que fabrica com as plantas que ela ensina a menina a reconhecer, colher e trabalhar. A vida é dura para ela, que sofre com o preconceito e a superstição do vilarejo e, marginalizada como é, não tem paciência com os netos, em quem desconta as agruras da vida, enquanto trata de criá-los na vida mais frugal possível.

Este é o quadro em que vive a menina quando encontra Landry desesperado em busca de Sylvinet. Como forma de devolver o desprezo recebido deles durante anos, faz Landry prometer que lhe dará o que for em troca de uma informação segura de onde possa encontrar o irmão gêmeo antes que a tempestade prenunciada caia. Em casa, Sylvinet percebe a preocupção de todos, e isso lhe fortalece a forma como consegue lidar com a família e com sua carência.

A situação permanece assim por meses a fio e, um ano mais tarde, quando Landry voltava da casa dos pais para a Priche, a fazendo do compadre Caillaud, ele se perde. Novamente, é Fadette quem o ajuda, lembrando-o da promessa feita a ela há um ano. Desta vez, ela lhe cobra: como forma de expô-lo socialmente, faz com que ele prometa esperá-la na porta da igreja no dia da quermesse de São João, e dance três valsas com ela a primeira, a do meio e a última do dia. Embora ele tenha prometido à Madelon que com ela ficaria, ele cumpre a palavra e dança com a menina. O falatório é inevitável e Madelon ressente-se da rejeição, preferindo a companhia de outros rapazes. Daí para as conversas entre Fadette e Landry não decorre muito tempo, e o rapaz, aprendendo a conhecer a moça, explica-lhe por quê ela é malquista, ao passo em que ela devolve os comentários não como represália, mas para mostrar que ele também tem defeitos, como o de esnobar sem sequer dar a chance de a pessoa mostrar o seu valor. Aos poucos, conhecem-se e apaixonam-se, e Sylvinet, desconfiando do irmão, que chega aos domingos cada vez mais tarde e parte cada vez mais cedo, descobre o namoro e torna a definhar, embora tenha prometido interessar-se mais pelas tarefas que o pai lhe dá durante a semana. Mantém a fidelidade ao irmão e nada conta aos pais, que vêm a saber do interesse romântico do filho pela moça "de reputação duvidosa" por meio da fofoca de Madelon, que também descobre o romance.

Tendo morrido a avó, Fadette decide ir-se embora do vilarejo para se empregar numa casa de família em outro lugar e, ali, aprender a ser mais recatada, mais prendada e mais feminina. Volta dois anos mais tarde, embora nesse período encontre Landry uma vez, e renova sua jura de amor ao rapaz, que faz o mesmo a ela. A situação se resolve não pelo amor, que estaria fadado à tragédia se dependesse só dele, mas ao dinheiro, porque a avó reservava cada centavo que podia pensando no futuro dos netos, e Fadette se descobre dona de uma fortuna suficiente para ter propriedades. Sem que Landry sequer desconfie de sua riqueza, ela procura o pai do rapaz e lhe mostra a fortuna, pedindo-lhe para que a ajude a contá-la e para que a aconselhe a melhor forma de aplicá-la. Quando o pai dos gêmeos vê a soma, aconselha-se com advogados e, além disso, vai até a patroa de Françoise para saber como a moça havia se comportado naqueles dois anos em que ali havia trabalhado. Uma vez entendendo que a reputação dela sempre se deu devido ao abandono da mãe, que o fez por causa de um homem, e à reputação da avó, que nada mais era do que conhecedora da botânica e da química das plantas, o compadre e a comadre Barbeau dão o consentimento aos jovens para que se casem.

Tudo estaria bem e o livro seria um típico romance romântico francês do século XIX se não fosse a figura de Sylvinet e o modo como ele usa a saúde e seus ataques para controlar a família e reinar sobre as decisões tomadas ali. Ainda nisso Fadette, também conhecedora das doenças e das ervas, intervém. Sem que Sylvinet saiba, vai ao quarto dele durante o sono do doente e ministra remédios e a imposição das mãos sobre o peito e a fronte, que acabam por acalmá-lo e curá-lo. Quando ele descobre que ela esteve em seu quarto e que ela se casará com Landry, entende o ato como alta traição e adoece novamente. Este é o momento mais espiritualista do livro, pois é quando Fadette vai até o rapaz e explica que a doença dele está no espírito mesquinho, egoísta e infantil, que jamais entendeu que todas as atitudes do irmão visavam ao seu bem-estar, ainda que fosse o afastamento. Por fim, ele aceita o casamento e resolve alistar-se no exército, onde chega a capitão em campanhas napoleônicas e morre em batalha, condecorado.

A cena da conversa definitiva entre Sylvain e Françoise e das sessões de concentração e imposição de mãos é detalhada o suficiente para que o leitor e a leitora vejam ali uma sessão espírita acontecendo, mesmo que estas não sejam as palavras claras a autora. Este era, de fato, um dos movimentos em voga em meados do século XIX, e não só George Sand, mas Victor Hugo, Edgar Alan Poe e outros tantos escritores americanos, ingleses, franceses e alemães se engajaram na doutrina. Nesse sentido, A pequena Fadette é uma inovação literária porque consegue, de forma bem coesa e coerente, retratar o quadro social rural da época, o sistema de trabalho, as relações familiares e sociais pequeno-burguesas e valores espirituais que se traduzem naquilo que nunca sairá de moda: amor, amizade, fidelidade, respeito pelo outro e compaixão. Só por isso, sem contar o estilo envolvente do narrador, já vale a pena a leitura.

Fonte de informações sobre a autora: http://pt.wikipedia.org/wiki/George_Sand

2 Comentários:

Blogger MariaChiquinha disse...

Eu lí toda esta coleção , infelizmente eu doei tudo, e agora estou tentando reavela comprando nos sebos, eles existem. Maravilhosos, sempre me identifiquei com os personagens, eu fui a Fadette de Georg Sand.

25 de janeiro de 2011 às 09:53  
Blogger ANA. Margarida de Melo Rabelo disse...

Li tudo quando adolescente era uma festa pra meu intelecto. Eu sentava na cadeira que ainda tenho comigo hoje em minha sala e viaja , em cada capítulo, eura todos os personagens, Hyck ,Cavalos Selvagens, weniton, a Pequena Fadete, viagem ao mundo em 80 dias, fui Ulisses, fui Penélope, fui todos os personagens . Sofria, chorava sorria e Amava. Eu ainda tenho a. Coleção. Que meu Pai comprava para minha irmã. Mas qu lia era eu. Ela faleceu e a coleção ficou pra mim
Hoje tenho 60 anos. Recife,04/02/17

4 de fevereiro de 2017 às 12:56  

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