Coleção Clássicos da Literatura Juvenil

Apresentação e resenha dos livros da coleção editada pela Abril Cultural entre 1971 e 1973.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Volume 45 - Os trabalhadores do Mar - Victor Hugo

Os trabalhadores do mar é uma obra diferente de várias outras que tratam do mar na coleção Clássicos da Literatura Juvenil. Se o leitor espera uma luta encarniçada pela posse de um navio, ou um naufrágio épico em que o herói sobrevive e constrói uma civilização, é melhor que mude suas expectativas. Publicado originalmente em 1866, ele é um marco não só na forma como o escritor Victor Hugo (grande imortal da Academia Francesa de Literatura) retrata o herói romântico, como também demarca a posição política do autor, que estava então exilado na ilha de Guernesey.

De fato, é nesta ilha que tem lugar a história do solitário Gilliatt, órfão de mãe e cujo pai é desconhecido, e que mora numa casa tida pelos moradores locais como assombrada, próxima a uma encosta do mar, afastada do centro do vilarejo. Exímio pescador e homem do mar, porém mal compreendido pela sociedade local, que é muito supersticiosa, vive para si e para seu amor platônico, a jovem e bela Déruchette, sobrinha do mais famoso e bem-sucedido homem da região: o Mess Léthierry.

Mess Léthierry é dono do Durande, o primeiro barco a vapor da região que, justamente por possuir velocidade, cumpre a viagem no Canal da Mancha com mais velocidade e consegue, portanto, manter um comércio mais próspero com a Inglaterra. Consequentemente, a atividade faz de Mess Léthierry (e o autor explica que "Mess" é o segundo mais alto título de alguém não-nobre a que um homem pode almejar naquela ilha) o homem mais rico da ilha. Em dias mais antigos, havia confiado em seu sócio, mas este o traíra e levara consigo a fortuna de ambos. Foi Durande, o barco que ele mesmo construiu, que lhe trouxe a glória. Por isso, tem pelo barco o mesmo amor que tem por sua sobrinha, a quem educa para ser uma esposa dedicada e muito doméstica. O velho homem sonha ter para capitão do barco um genro que seja apaixonado por Dérouchette e tão bom homem do mar quanto ele, que possa amar Durande com a mesma intensidade. Enquanto isso não acontece, ele deixa Durande a cargo do capitão Clubin, tido como lobo do mar, ou seja, extremamente experiente e sem medo das águas repletas de rochedos da região.

Os destinos de Mess Léthierry, Déruchette e Gilliat se cruzam quando o capitão Clubin leva a embarcação ao mar em dia de tempestade e entra num nevoeiro, chocando-se com os rochedos escarpados que coalham o mar em torno da ilha. O desesperado dono do barco entende que Clubin sucumbe ao mar e ouve dos marinheiros que a embarcação está parcialmente destruída, mas seu motor se encontra intacto, preso entre dois altos e afiados rochedos. Sem esperança, oferece a mão de sua sobrinha ao corajoso homem que salvar a Durande. Escutando sob a janela, Gilliatt empreende a viagem à embarcação e, durante semanas, enfrenta o sol inclemente, a sede, a fome, a febre, os tremores e o cansaço, e consegue, construir uma espécie de estrutura elevadiça com a madeira do barco, com a qual consegue içar o motor e colocá-lo em sua chalupa.

A luta que o homem enfrenta contra as intempéries já seria o suficiente para marcar o ponto de vista de Hugo sobre a relação do homem com a natureza, mas o toque sobrenatural do livro é marcado pela presença do monstro marinho que ataca Gilliatt. Este é o momento em que o leitor encontra uma luta encarniçada do herói pela vida, e é quando grande parte do mistério do romance em torno do sócio desaparecido de Mess Léthirry e de Clubin são desvendados. De uma forma quase miraculosa, Gilliatt mata o polvo que o ataca, e consegue voltar à ilha. Sujo, descabelado, doente, magro, com a pele descascando, exausto, com fome, e com suas energias drenadas, consegue amarrar sua chalupa atrás da casa do tio de Déruchette, e quando este descobre ali a alma de sua embarcação -- o que lhe salva a posição política e a fortuna --, reconhece Gilliat perante a sociedade local como seu salvador e concede a mão de Dérouchette a ele.

As histórias de Victor Hugo, no entanto, não são mais tão exageradamente românticas como as que inauguraram o movimento romântico em 1802: são marcadas pelo herói solitário que sofre o preconceito social por não se encaixar no perfil do cidadão médio, e seu fim não é feliz. Gilliatt descobre que Déruchette, a quem ama há anos, silenciosamente, ama o jovem reverendo inglês Ebenezer Caudray, que havia chegado há poucos meses em Guernesey, e é correspondida. Sua decisão é, então, mais heróica do que o leitor da época poderia imaginar: ele dá a ela o baú de enxoval que sua mãe lhe deixara como herança para dar à sua futura esposa, providencia com o pároco mais velho o casamento dos jovens apaixonados sem que Mess Léthierry o saiba e os vê partirem no navio Cashmere, já acomodado em uma pedra recortada numa encosta, cujo formato é de uma cadeira e onde a maré encobre quando o dia anoitece. Ali, sentado e sozinho, espera o mar chegar e cobri-lo, pois para ele, socialmente marginalizado e eternamente infeliz porque sua amada não o ama, o que resta é o mar, e a ele se entrega definitivamente.

Em sua época de lançamento, o tom político, o entrelaçamento de histórias de amor e questões políticas e de dinheiro, como é o caso da fortuna de Mess Léthierry recuperada por Gilliatt, deram o ar de modernidade do romance, e ele se tornou, anos mais tarde, motivo de peças de teatro e de produções televisivas. O que mais deve chamar a atenção do leitor e da leitora é, no entanto, a mudança que ocorre de um movimento romântico em direção a um movimento mais político, arraigando a cultura literária no dia-a-dia da sociedade, mostrando os afãs e as mazelas dos pobres e dos camponeses, como ocorria nesse período de transição em que a sociedade começava a acompanhar a literatura tida como realista -- Madame Bovary, por exemplo, é de 1857.

Os trabalhadores do mar é, sem dúvida, um clássico da literatura universal, mas talvez, pelo seu conteúdo mais adulto e pelo seu tom mais formal, ainda que na tradução, não devesse figurar na coleção ora em apreço. Uma vez que nela se encontra e tendo em vista a experiência do leitor com a literatura de aventura e a literatura oitocentista, vale a pena sua leitura.

Fonte de informações sobre o autor: http://pt.wikipedia.org/wiki/Victor_Hugo

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