Coleção Clássicos da Literatura Juvenil

Apresentação e resenha dos livros da coleção editada pela Abril Cultural entre 1971 e 1973.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Volume 43 - Carlos Magno e seus cavaleiros

Até ter iniciado a leitura de Carlos Magno e seus cavaleiros, tudo o que eu fazia era olhar para o volume 43 na minha estante e imaginar que livro seria aquele. De início, parecia-me algo no estilo das lendas arturianas, mas eu imaginava que fosse algum romance francês do início do século XIX em que algum autor tivesse recontado a história do Rei Carlos e de seus doze pares de França.

Ora, muito grata foi minha surpresa ao descobrir que os editores da coleção Clássicos da Literatura Juvenil nos presentearam com nada mais, nada menos do que a adaptação traduzida de A canção de Rolando, pois este é o título dos originais que foram aqui publicados sob o nome do volume que agora lhes apresento. Àqueles que não a conhecem, trata-se de um poema épico muito grande, uma canção de gesta com quatro mil versos e nove versões conhecidas, e cuja autoria é desconhecida, embora seja atribuída a um certo Turold. Em tempo: gesta, do latim, significa "de aventura", e então as canções de gesta, tão comuns no Trovadorismo, são aquelas que narram as grandes aventuras e feitos dos heróis. Na Espanha, por exemplo, há Amadis de Gaula (há quem diga que é Portugal), e o livro Dom Quixote, já tratado na quinta resenha deste blog, é senão uma sátira de tais canções e histórias dessas novelas de cavalaria, numa época em que a própria cavalaria já andava decadente demais e quase desaparecida.
A principal narrativa do livro é, como se espera, a vida e a morte de Rolando, sobrinho do Rei Carlos Magno e seu paladino predileto, embora outros sejam tão louváveis quanto Rolando. Ali encontramos Reinaldo e seu amor pelo cavalo Baiardo, que ele mesmo conquistou; Ogier, o rei dinamarquês; Olivério, primo de Rolando e seu melhor amigo, que morre com ele em batalha; Florismaldo, que se casa com Flordeliz (o nome, aqui, refere-se à flor-de-lis, símbolo da França); e Astolfo, o homem mais bonito e querido das fadas, dentre outros pares de França. dizia-se "pares" porque eram iguais entre si, não sendo um mais querido do que o outro.
Enquanto o narrador trata das aventuras de Rolando em busca de sua honra e de se provar um bom cavaleiro para o rei, entremeiam-se na trama histórias fantásticas de feiticeiras que conquistam e encarceram os cavaleiros em castelos mágicos, lindos, feitos de alabastro, ouro, e cristais, contornados por jardins que a língua humana não conseque descrever, dentro de ilhas distantes protegisdas pelo bravio oceano e por míticos monstros marinhos, e as aventuras a que tantos homens e donzelas corajosas e guerreiras se submetem para salvar seu respectivo amado. Nesse sentido, as histórias lembram bastante aquelas narrativas das pequenas histórias de As mil e uma noites, e também, como não podia deixar de ser, das lendas arturianas. Há até mesmo uma história em que uma heroína encontra, em sua peregrinação para o resgate de seu amado Rogério, a caverna que serve de túmulo a Merlim, guardado ali pela feiticeira Melissa, que a ajuda. Há, também, a história de Ogier, preso por duzentos anos na ilha de Avalon, por Morgana -- e, aqui, ela é tão má quanto é sua caracterização nos livros de Arthur, embora agora seja linda --, e que, no estilo sebastianista português, retorna à França no momento em que ela mais precisa de ajuda para derrotar os exércitos sarracenos (leia-se muçulmanos) que então tomavam conta da França, para depois voltar a Avalon, até que outra situação extrema demande a volta imperiosa do herói.
Dentre as várias histórias maravilhosas, chamou-me a atenção a de Astolfo e o resgate do juízo de Rolando. Este encontrava-se há muito tempo perdido e louco, como um selvagem, vagando em um bosque, pois que perdera seu juízo ao descobrir que a mulher que amava, a feiticeira Angélica, de Catai (era assim que se dizia "China", na época), havia se casado. Em suas aventuras com o hipogrifo do feiticeiro Atlante, Astolfo sobe tanto aos céus que vai parar num mundo que fica entre a Terra e o paraíso. Ali, encontra o profeta Elias e João Batista. Elias explica-lhe que ele, por poder voltar à Terra, pode restaurar o juízo de Rolando, porque quando os homens perdem o juízo, este evola-se em fumaça e sobe ao céu, indo parar na lua. Numa caruagem de fogo, Astolfo segue com Elias até a lua e descobre que ela é como a Terra, com cidades, torres e castelos. Num deles, encontra uma sala repleta de estantes. EM cada prateleira, há um vidro onde se lê o nome de cada homem ou mulher, e cada vido está mais ou menos cheio do juízo da pessoa em questão -- depende do quanto a pessoa ainda é sábia e sã ou enlouquecida. Encontram o vidro de Rolando repleto até a boca, e o do próprio Astolfo, na metade. Elias explica-se que ele pode pegar o seu vidro e aspirar a fumaça para recuperar aquela parte do seu juízo. Novamente muito sábio, Astolfo pega o vidro de Rolando e o protege, e desce dali para primeiro combater na Abissínia e, depois, resgatar Rolando do bosque e, à força, fazê-lo aspirar novamente todo o juízo perdido. Ali na lua, Astolfo também conhece um lugar repleto de todos os tipos de objetos, inclusive uma coroa, jogados a esmo, e Elias explica-lhe que ali é o lugar para onde vão todas as coisas desaparecidas do mundo e que ninguém sabia explicar onde tinham ido parar.
Assim como em outras narrativas lidas ao longo deste ano, esta experiência mostra que a coleção traz ao leitor narrativas-mestre que deram origem a muitas histórias famosas. Esta, por exemplo, com este episódio de Astolfo, remete sobremaneira aos pensamentos encapsulados pelo professor Dumbledore, ou as profecias guardadas nas estantes do Ministério da Magia, em Harry Potter e a Ordem da Fênix, ou ainda à Sala Precisa, onde Harry esconde o livro de poções e onde desesperadamente busca o diadema (isto é, a coroa) de Rowena Ravenclaw.
No entanto, mais do que servir como base para a criação literária dos séculos recentes, narrativas como Carlos Magno e seus cavaleiros trazem o contexto histórico e social de formação europeia, que é muito importante para que nós possamos entender até mesmo como se formou a nossa cultura e a nossa tradição literária. País herdeiro desta cultura que somos, compreendemos, através dessa narrativa, a amplitude da força religiosa e política da Igreja Católica na formação de nações como a França e o domínio de países como a Espanha, que durante muito tempo esteve sob o comando dos muçulmanos e, quando partiu em busca da conquista da América, tinha Isabel de Castela e toda a política de caça às bruxas -- ou aos sarracenos e judeus -- como afirmação da fé católica. Romancizado como deve ser, a história contada nas versões da canção de Rolando, como nesta que o leitor e a leitora podem ler atualmente, não deixa de trazer o aspecto histórico mas, acima de tudo, num mundo em que tudo é entretenimento, ou escape, ou desmanche, torna-se mote para diversão e distração.

3 Comentários:

Blogger Unknown disse...

então...achei essa pagina por curiosidade, uma vez que o Presidente Temer refere ter recebido o livro: "Carlos Magno e os doze cavaleiros da tavola redonda", muitos criticaram , eu quis pesquisar tal obra e cheguei a este ótimo material , muito lindo seu trabalho! Meu nome é Maria José e sou Enfermeira!

12 de setembro de 2016 às 03:38  
Blogger Unknown disse...

então...achei essa pagina por curiosidade, uma vez que o Presidente Temer refere ter recebido o livro: "Carlos Magno e os doze cavaleiros da tavola redonda", muitos criticaram , eu quis pesquisar tal obra e cheguei a este ótimo material , muito lindo seu trabalho! Meu nome é Maria José e sou Enfermeira!

12 de setembro de 2016 às 03:40  
Blogger Piloto disse...

Li um livro com essa história em 1978 no colégio e estava tentando lembrar o nome, eu lembrava como Carlos Magno e seus Paladinos, deve ser este, vou procurar para comprar para meu filho ler

9 de maio de 2020 às 00:24  

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