Coleção Clássicos da Literatura Juvenil

Apresentação e resenha dos livros da coleção editada pela Abril Cultural entre 1971 e 1973.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Volume 39 - Winnetou - Karl May

Karl May não é um nome que inspire conexões imediatas para muitos leitores. Não é sequer um nome que nós, brasileiros, tenhamos comumente estudado em algum momento de nossa escolarização. Para aqueles que, no entanto, tenham sido guiados em suas leituras pela busca de aventuras, o nome deste alemão deve trazer à tona memórias de histórias de encarniçadas lutas indígenas em nome da preservação de seus valores, ou exóticas histórias no oriente.

Antes de escrever histórias no último quartil do século XIX, quando a Alemanha proliferava seu desenvolvimento literário, o jovem alemão, filho de uma família de tecelães com numerosos irmãos e muitas mortes em decorrência da pobreza e da falta de condições de cuidados com suas crianças, já tinha se formado professor, tido seu título cassado em consequência de roubo, e anos e anos de prisão e trabalhos forçados por conta de seus atos ilegais, até que tivesse sua alma, por assim dizer, resgatada por um missionário que visitava os detentos nas cadeias.

De ladrão a homem recuperado, Karl May tornou-se escritor e, aproveitando-se da febre literária e do desenvolvimento alemão do segundo Reich, escreveu inúmeras histórias que desejavam resgatar para os europeus o espírito romântico de bravura e heroísmo, em terras indômitas, para jovens leitores, ávidos por conhecer um lado da história humana a que agora, diante da urgência em destacar a pátria e a formação de mão-de-obra, já não viviam.

Desse modo é que a coleção Clássico da Literatura Juvenil apresenta Winnetou, o jovem guerreiro, cacique dos apaches, que o narrador em primeira pessoa diz ter sido o último dos grandes e honrados guerreiros indígenas dos Estados Unidos. Nesta adaptação de Maria Aparecida P. de Freitas, um alemão que viaja aos Estados Unidos em busca de aventuras no oeste a ser desbravado acaba se tornando preceptor (professor de crianças e jovens) de uma família alemã instalada há alguns anos no território, quando conhece Sam Hawkes. Este, embora muito maltratado pela vida no oeste, afeiçoa-se a ele e o treina, sem que este saiba, para a vida no território hostil. É devido à sua grande habilidade com o manejo de armas brancas e de fogo e de sua grande força que o jovem alemão se torna conhecido como Mão-de-Ferro, e logo no início da narrativa, quando está em missão de demarcação de terras para a construção de uma estrada de ferro, que vem a conhecer o cacique Intschu-Tschuna e seu valoroso filho Winnetou. Numa tentativa de estabelecer a paz entre brancos e índios, o jovem e seu amigo tentam conversar com os índios e com Klekih-Petra -- ou "pai branco" --, um senhor já idoso e também alemão que havia se radicado em terras indígenas, em defesa dos povos de pele vermelha contra a sanha branca de invadir suas terrase pilhar seus bens. Ocorre, porém, de haver desavença e de um branco matar o senhor alemão, e a guerra se estabelece. Em meio a isso, Intschu-Tschuna e Winnetou são capturados e Mão-de-Ferro os liberta, e depois de mais aventuras, o branco acaba tornando-se irmão de Winnetou.

A aventuras, narradas num estilo episódico, é repleta de lutas, perseguições, capturas, libertações se reféns e justiça feita à bala e à faca. Nesse ínterim, morrem Inschu-Tschuna e sua filha, Nscho-Tschi, tida como a bela flor da tribo. À morte do pai e da irmã, Winnetou segue na captura do assassino, o branco Santer, mas nas diversas vezes em que se vê à sua caça, este se lhe escapa, pois conta também com a ajuda da tribo dos kiowas, a quem presta favores.

O livro apresentado ao leitor é na verdade uma adaptação da somatória dos quatro volumes publicados por May com o nome Winnetou, e segue com muitas outras aventuras, que envolvem desde a ida do alemão a Nova York e seu serviço como detetive, até suas idas à Alemanha e ao seu retorno ao território do oeste, onde ele se envolve em resgates de trens assaltados por bandos de indígenas liderados por bandidos brancos, até a ajuda oferecida por ele e pelo irmão índio a uma colônia cristã de alemães radicados no oeste. É, aliás, durante o conhecimento que trava com os colonos de Helldorf que Winnetou decide converter-se ao cristianismo, comovido que se vê diante do cântico da "Ave-Maria" e da crença que tem num Pai celestial de amor e de união, e não de guerra, como é o Grande Espírito guerreiro protetor dos indígenas. Após tantas aventuras, é justamente ao resgatar os colonos de Helldorf das garras de bandidos brancos que Winnetou tomba, baleado pelas costas. Morre ao ouvir o cântico da santa, mas antes faz o escritor Carlos -- porque o narrador revela-se como Carlos, escritor (tal como o autor, o que significa que a personagem é um alter ego do autor) -- prometer que iria ao túmulo de seu pai e de sua irmã e, perto deles, desenterraria o testamento a ser lido para a sua tribo apache. É durante esta aventura que Carlos, o Mão-de-Ferro, é capturado por Santer e pelos kiowas, mas liberta-se e vai atrás do mortal inimigo de Winnetou, na jura de vingar as mortes dos amigos indígenas e de recuperar o testamento que Santer consegue roubar. Eventualmente, é claro, ele o alcança e Santer, vítima de sua própria cobiça e insensatez, morre, levando consigo o testamento dos apaches e o segredo dos tesouros em ouro e pedras preciosas que Winnetou revelava na carta enterrada, e de que os apaches só faziam uso quando iam às cidades dos brancos e tinham a necessidade de pagar pelo que queriam ou precisavam. "Lembre-se, meu irmão, o brilho e dos diamantes é o próprio fulgor da morte que, se não destrói o corpo, arrasa o espírito!", é o que diz Winnetou a Mão-de-Ferro antes de morrer, numa mostra da visão romancizada do autor, segundo a qual o indígena é puro, corajoso e sempre digno.

Nesta história, ao mesmo tempo em que se deleita com a série de aventuras, o leitor se depara com a linguagem rebuscada, típica ainda do início do século XIX, e com um conhecimento topográfico, climático e de nações e tribos indígenas que com muita propriedade dão o caráter verossímil à narração. Entretanto, curioso é saber que, quando o livro foi lançado (primeiro em episódios publicados em magazines e, depois, em edições de livros), Karl May não havia sequer pisado em solo norte-americano, quanto mais conhecer tribos, aventureiros e desbravado terras. Em sua experiência literária, tinha-se valido de suas leituras das obras de escritores como James Fenimore Cooper (que apareceu nesta coleção com O Último dos moicanos), bem como de livros de história, mapas e notícias de jornais para constituir o que se torna uma narrativa envolvente e muito bonita da figura do índio e de seu valor na nação americana. Soma-se a esta pesquisa a criatividade de May, e então o leitor tem em mãos esta obra que pode não ser muito lida hoje, mas inspira ainda a ideologia americana de nação e a crítica ao falso ideologismo, e que é, por exemplo, lembrada por pessoas do calibre do cineasta Quentin Tarantino, que cita Winnetou em Bastardos Inglórios, numa mostra de que o tema é atual e sempre ideológico, esteja ele investido ou não de um caráter romântico.

Fonte de informações sobre o autor (em inglês): http://en.wikipedia.org/wiki/Karl_May

8 Comentários:

Blogger Unknown disse...

Um belo livro na época me senti parte da história

19 de outubro de 2014 às 23:38  
Blogger Guillermo disse...

Li este e outros livros do Karl May quando era jovem, em 1965. Aprendi muito sobre Historia e Geografia, alem de me divertir. Por exemplo, num dos livros ele aborda o problema dos Curdos, que é extremamente atual, e que nao mudou desde que ele escreveu ha mais de 60 ano...

4 de novembro de 2014 às 15:18  
Blogger Unknown disse...

Quem já leu sabe que era dificil de interromper a leitura,tão intensa e envolvente que eram as narrativas.Grande autor.E tinha 15 anos quando li ,estou com 70 anos e lembro com saudades de suas aventuras.

17 de maio de 2015 às 15:24  
Blogger Unknown disse...

Quem já leu sabe que era dificil de interromper a leitura,tão intensa e envolvente que eram as narrativas.Grande autor.E tinha 15 anos quando li ,estou com 70 anos e lembro com saudades de suas aventuras.

17 de maio de 2015 às 15:24  
Blogger Walmir Luiz Becker disse...

Walmir Luiz Becker - Tenho 72 anos e já não sei quantos de lembranças da minha leitura dos 3 volumes de Winnetou. Foi uma das obras, ao lado das que eu lia de Júlio Verne, que mais me marcaram na minha infância/adolescência. Acho que verti lágrimas, embora não tenha bem certeza disso, com a morte de Winnetou

16 de dezembro de 2016 às 16:40  
Blogger Carlos disse...

Este comentário foi removido pelo autor.

12 de agosto de 2019 às 18:22  
Blogger Carlos disse...

Li quando jovem. Estou relendo todos os volumes. Realmente apaixonante. Difícil de parar de ler.

12 de agosto de 2019 às 18:24  
Blogger Angelo SHK disse...

Tenho ainda hoje toda coleção deixada por meu pai, hoje com 48 anos ainda me pego as vezes com vontade de voltar a lê-los

28 de outubro de 2019 às 22:47  

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