Volume 12 - Aventuras de Huck - Mark Twain
Aventuras de Huck é a sequência escrita pelo autor Mark Twain das histórias narradas em Aventuras de Tom Sawyer. A terceira resenha que apresentei neste blog discorre justamente sobre Tom Sawyer, o terceiro volume lançado na coleção Clássicos da Literatura Juvenil, e cheguei mesmo a mencionar um pouco do caráter de Huckbleberry Finn e da relação de amizade entre ele e Tom.
Neste romance, o autor coloca como linha principal a fuga de Huckeberry da casa da viúva Douglas, que havia se transformado em sua guardiã, junto com o negro Jim. Este era, na verdade, um escravo da irmã da Sra. Douglas, a srta. Watson, que morava com eles, e desejava escapar para fugir do estado do Missouri e chegar ao estado de Ohio, que era livre das leis escravagistas, e onde sonhava em adquirir dinheiro e comprar a liberdade da esposa e do filho. Ambos haviam sido deixados no lugar de onde ele havia sido previamente comprado. Para conseguir realizar a façanha de fugir da viúva e também do pai alcóolatra, que havia retornado à cidade e estava requerendo a pequena fortuna que Huckeberry havia encontrado com Tom Sawyer (episódio contado no desfecho de Aventuras de Tom Sawyer), Huck arma uma cena de crime com sangue, cabelo, e rastros no chão, como se tivesse sido assassinado e jogado no rio Mississípi, e foge com Jim. Por um tempo, ficam na ilha Jackson, local em que ele havia se refugiado com Tom anteriormente, e depois segue o curso do rio numa jangada até encontrar dois vigaristas profissionais que se fazem de rei e duque e ludibriam as pessoas para roubá-las ou fazer trapaças. Embora tente se livrar de ambos, não obtém sucesso da primeira vez, e somente com maior esforço o consegue, porém não sem prejuízo: antes de sumirem, vendem o pobre negro como escravo na cidade em que estão, já no estado de Illinois. Ora, acontece de serem os novos donos de Jim justamente os tios de Tom Sawyer, e que, por um golpe do destino, estão justamente aguardando a chegada deste para que passe férias com eles. Huck resolve fingir-se de Tom e trata de encontrar o amigo pela estrada antes mesmo que chegue à casa dos tios. Uma vez encontrado numa carroça, a caminho da casa dos parentes, Tom assusta-se com Huckleberry, pois o considerava morto, e depois de inteirar-se sobre o quiprocó armado pelo amigo em favor de libertar o escravo, resolve não só colaborar para armar um plano de resgate, mas a contribuir "substancialmente" para que este dê certo. Baseando-se na sua mente infantil fervilhante de histórias épicas de heróis, saqueadores e piratas, Tom logo inventa de cavar um túnel com facas, serrar a corrente, escrever mapas em camisas para deixar no local em que Jim estava cativo (uma barraca nos fundos da propriedade), serrar o pé da cama, e libertar o escravo, deixando uma carta de despedida e uma flor regada com lágrimas do prisioneiro. Huckleberry seguiria pelo lado mais prático: se era uma questão de cavar e não simplesmente de roubar a chave do cadeado ou de arrancar umas tábuas do barracão, que fosse feito com pás e picaretas que estavam disponíveis do lado de fora do local, e de simplesmente levantar o pé da cama e tirar dali a corrente que prendia o negro ao móvel. A diferença entre as duas personagens é, de fato, baseada naquela presente entre Dom Quixote e Sancho Pança, e os delírios e diabruras de Tom assemelham-se com as peripécias malucas do pobre senhor espanhol, embora haja aí muito mais esperteza e malandragem por parte dos dois garotos, que conseguem enganar a todos e a causar tamanha confusão, que suas ações têm como consequência, dentre outras, fazer com que o tio ajunte homens armados na cidade para dar cabo ao "bando" que viria resgatar o escravo durante a madrugada, conforme uma "carta anônima" deixada por eles ao tio havia revelado.
A consequência da brincadeira é uma perseguição ao escravo e aos meninos, e mais aventuras acontecem, até que a tia Polly chega à fazenda do irmão e da cunhada, em busca de Tom, e revela a todos aquilo que Tom já sabia: que há dois meses a srta. Watson havia morrido e que, em testamento, havia alforriado Jim. O garoto sai-se com a explicação de que a aventura é que faz o herói, e que por isso nada havia revelado ao amigo e ao escravo, e todos voltam à cidade fictícia de St. Petersburg, onde esperavam também a Huck, para lhe tomarem sob guarda e criação. Este, no final, despede-se dizendo que mil vezes seria melhor ver-se livre e ir para o Oeste, aventurar-se no Território Índio. Como o leitor pode perceber, todos os elementos que fizeram de Tom Sawyer um sucesso encontram-se aqui: as aventuras, o pensamento inconsequente e os mirabolantes planos infantis, a irreverência e a ironia de Twain, mais marcada do que nunca por Huck, e sobretudo a pintura de um cenário e de uma sociedade que já estava decadente para a época e que criticava o regime escravocrata.
Mais do que irônico e crítico de uma sociedade conservadora, o autor foi um visionário não só porque entendia que homens devem ser livres e viverem em condição de igualdade, mas porque ele captava a essência do sul, com todas as cores de sua localidade, com seu linguajar próprio, advindo das gerações de misturas e de cultura advinda dos negros, para transpor ao livro. Daí vêm, por exemplo, toda a carga de "feitiçaria" e de crendices do romance, que se contrapõe sobremaneira à religião protestante dos brancos, e as palavras empregadas pelo autor, que não denotam, como alguns críticos pensam, preconceitos, mas contribuem à autenticidade da caracterização e da atmosfera sulista. Não se pode olhar com os olhos de quem conhece a trajetória histórica de um país e considerar que "nigger" (negro) seja palavra empregada para ser compreendida pejorativamente e com a mesma carga que se entende hoje, nos Estados Unidos. E preciso despir-se do nosso próprio preconceito e dessa carga histórica de conhecimento e tentar entender que, naquela época, não havia o peso de todo um discurso em favor de minoria ou de grupos étnicos, e tampouco a consciência de que um negro fosse um homem e não uma mercadoria a ser barganhada. Quanto a isso, o próprio autor se coloca na fala do próprio negro Jim para falar da condição do Homem e do modo como ele fala: num episódio em que Huckleberry, quase iletrado, compreende que um francês fale "diferente" dele, assim como um cachorro fale diferente, ou um outro animal, Jim contra-argumenta e lhe diz que não entende como isso possa acontecer, porque cachorros não são gente, mas os franceses são, e portanto eles deveriam entendê-los. É clara a alusão do autor não só ao egocentrismo americano de achar que só eles podem ser entendidos, mas ao tratamento dado aos brancos e aos negros, porque quem enuncia essa fala é um negro escravizado.
Desse modo, o que entendo ser o foco de Aventuras de Huckleberry Finn é a ânsia pela liberdade, da mais óbvia à mais recôndita: pela liberdade de viver com dignidade, e não como escravo comprado, como mercadoria; a liberdade de viver segundo suas vontades; a liberdade de seguir suas regras e suas crenças, e não de obedecer à lei e à religião porque assim manda a sociedade (se for para fazê-lo, que seja feito por fé e concordância, e não por imposição e ignorância); e a liberdade, sobretudo, de escolha sobre qualquer opção, esperando-se que a consciência humana levem o indivíduo às escolhas em favor da verdade, da justiça, da amizade e da lealdade, tal como o faz o garoto Huck, que mal sabe ler e contar, mas que muito pode ainda hoje nos ensinar sobre cada um destes conceitos.
Fonte de informações sobre o autor: http://pt.wikipedia.org/wiki/Mark_Twain
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