Coleção Clássicos da Literatura Juvenil

Apresentação e resenha dos livros da coleção editada pela Abril Cultural entre 1971 e 1973.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Volume 22 - 20000 léguas submarinas - Júlio Verne


Há três semanas, eu me surpreendi lendo Viagem ao Centro da Terra, de Júlio Verne. Novamente, o sentimento é de estupefação diante de 20.000 Léguas Submarinas, do mesmo autor, apresentado na coleção Clássicos da Literatura Juvenil. Publicado em 1870, 20.000 Léguas Submarinas é a prova concreta do gênio e da capacidade visionária de Verne, que previu, muito antes que acontecessem, as aventuras humanas de exploração da natureza em níveis antes jamais navegados – literalmente.

A narrativa é apresentada em primeira pessoa pelo professor Aronnax, especialista em ciências naturais e em mares, que é chamado pelos Estados Unidos numa caçada ao “monstro marinho” que aterroriza as embarcações. A bordo do navio Abraham Lincoln, acompanhado do sempre metódico, fiel e quieto auxiliar de nome Conselho, e de uma tripulação especializada em caçadas, Aronnax se vê em meio ao sul do Pacífico quando o navio é atacado pela fera marinha, de modo que ele, Conselho e um arpoador canadense, Ned Land, são lançados ao mar. Dali, são resgatados por aquilo que eles consideravam fera: uma embarcação submarina misteriosa, chamada Nautilus, de propriedade de um capitão ainda mais misterioso: o capitão Nemo, cuja identidade ele mantém escondida a todo custo.

Uma vez que tanto a embarcação quanto suas rotas eram segredo da humanidade, o Nautilus subia à superfície somente uma vez ao dia para trocar o ar da embarcação, e então descia ao mais maravilhoso e aventureiro mundo marítimo que um escritor já conseguiu colocar sobre papel. Embora os três fossem prisioneiros do capitão Nemo, isto é, não pudessem retornar à humanidade, nada lhes faltava: o mar provia tudo, de água e eletricidade – uma luz forte o bastante para transformar o cenário em palco de beleza, aventura e perigo --, a comida, roupa, móveis, e combustível. Esta é, pelo menos, a explicação dada pelo capitão ao professor.

Desde o primeiro instante, o leitor se vê mergulhado num ritmo que mistura aventura e descrições detalhadas de instrumentos, ferramentas e processos de funcionamento do submarino, e a cada página virada, surpreende-se mais ainda com o gênio e a imaginação de Verne. A própria ideia, a concepção, a fabricação e o formato do submarino são originais: o livro é de 1870, e o primeiro submarino surgiu em 1891. Assim, há mais do que material suficiente para intrigar e fazer com que o leitor compare o mundo de tecnologia e maravilhas com, por exemplo, o desenvolvimento das cidades americanas, que ainda estavam terminando sua colonização e viviam à base de agricultura de arado de boi e poucas máquinas mecânicas, e liam com o auxílio da luz do lampião alimentado por querosene, enquanto no Nautilus contava-se com telégrafo, eletricidade, proteção eletrocutada, cristal blindado e uma série de instrumentos de medição de latitude, longitude, temperatura e pressão do ambiente.

Ora, diante de tal ambiente verossímil, não se espera menos do que as aventuras que se seguem. Os novos habitantes do submarino vestem roupas de mergulho e escafandros para andar fora da embaração, sobre a superfície do mar, onde caçam alimento e apreciam a fauna e a flora marítimas, num conjunto de maravilhas jamais testemunhadas pelo homem. Numa volta ao mundo pelos mares, o capitão Nemo os leva a florestas aquáticas no Pacífico, ao encontro com as baleias e cachalotes, ao depositário de ostras e pérolas no Ceilão, ao Mar Vermelho, ao Canal de Suez sub-aquático, denominado de “canal árabe”, ao Atlântico, e à grande aventura do livro: ao centro do Pólo Sul, local a que chegam passando por debaixo do continente de gelo e onde ficam presos e quase morrem por asfixia. Passam pela Patagônia, visitam a Pororoca no Amazonas, e finalmente, passam pela corrente do golfo, onde têm uma luta encarniçada contra polvos, desembocando na região norte do Atlântico. Cabe ao leitor que não acompanha o mapa com a cabeça a obrigação de tê-lo ao lado para se deleitar ainda mais com a aventura.

O grande senão que transforma a aventura em expectativa de desfecho é como fazer para, eventualmente, fugir do submarino e voltar à vida que tinham. O arpoador, de nome muito sugestivo (Land = terra), é quem arquiteta a fuga dos domínios de Nemo – e, novamente, o nome é importante, porque “Nemo” vem do latim “ninguém”, e o capitão faz questão de anular-se perante a humanidade, por conta de grande e misterioso rancor contra um país que, segundo ele, lhe tirou o que tinha de mais precioso: a família e sua credibilidade. Ironicamente, Conselho é o único que não intervém e não decide sobre os planos.

Como não podia deixar de ser, os prisioneiros eventualmente se vêem livres (e não, desta vez não conto o desfecho do livro), de forma que o professor consegue, com base em suas anotações, narrar a grande aventura de sua vida que o leitor tem em mãos.

Do ponto de vista de estrutura da narrativa, há grande semelhança com o outro livro publicado na coleção: trata-se de uma expedição; o personagem principal é um professor naturalista e o assistente é calado, centrado e muito fiel; há em xeque a questão da credibilidade da aventura e do que foi testemunhado, e a necessidade de fincar, na terra explorada pela primeira vez, uma bandeira para determinar o domínio ou primazia. Assim fizeram na praia encontrada nas profundezas da terra; assim fez o capitão Nemo quando chegou ao Pólo Sul, no solstício de inverno, ao fincar a bandeira negra com o N bordado a ouro, no meio do gelo.

Este, na verdade, é um aspecto contraditório, porque ao mesmo tempo em que Nemo advoga contra a opressão e o governo, e recolhe o tesouro dos navios afundados para distribui-los secretamente aos povos oprimidos, ele faz do mar o seu domínio e do pólo sul a sua propriedade. Nesse sentido, a noção smithiana de propriedade permanece num homem sem pátria e sem história aparente. São essas brechas que o leitor consegue ver quando se depara com a história, e percebe que, por mais incrível que seja a narrativa, por mais que o discurso seja bem construído em prol de algum ponto, há sempre aspectos não contemplados – ou que se deseja esconder, em alguns casos – que “vazam”, por assim dizer, por esses detalhes. O capitão Nemo explica que o mar é senhor absoluto que tudo provê, e que o homem não deve violá-lo levianamente, e tal intenção de proteger é a primeira camada da leitura que se faz – até mesmo porque hoje, mais de um século mais tarde, a preocupação genuína de Verne, colocada na voz de Nemo, se mostra mais do que justificada pela ação do ser humano, que explora recursos naturais marítimos sem ter certeza das consequências que trarão ao planeta (e contra as quais, como eu mencionei na resenha do livro de Verne anteriormente lido, o escritor alerta mais para o final de sua vida).

Vale, ainda, uma nota sobre a questão do uso do Wikipedia como fonte inicial para que o leitor saiba mais sobre a vida do autor e de suas obras. Ainda que acadêmicos, de modo geral, desprezem-no como fonte fidedigna de informação, ele traz um material que muitos lêem e corrigem, e é resultado de colaboração em nível mundial, com uma série de ligações com matérias que interessam. No caso de Júlio Verne, vale a pena o leitor rolar a tela até lá embaixo para encontrar um vídeo documentário sobre Júlio Verne e H.G. Wells, dois escritores visionários. Assim, se não é cânone, não deixa de ser aual, diversificado, válido e – o que eu mais prezo na internet – democraticamente compartilhado.

Fonte de informações sobre o autor:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Julio_Verne

2 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Gostei muito do seu artigo. Visite o nosso blog dedicado a J. Verne:
www.jvernept.blogspot.com
Abç

15 de junho de 2010 às 05:28  
Anonymous Anônimo disse...

Ainda lembro quando vi este livro na biblioteca da escola, foi ele que me cativou para a leitura. Excelente iniciativa,

Abraço,

Alex

7 de julho de 2011 às 13:29  

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial