Volume 27 - O príncipe e o mendigo - Mark Twain
Eu ouvi falar da história do menino príncipe que troca de identidade com o mendigo há muito tempo; eu era criança, e vi em filme da Sessão da Tarde, li em gibi da Turma da Mônica, e li adaptação ilustrada na biblioteca da escola. Só não sabia que era do Mark Twain.
Não se engane, querida leitora e caro leitor, e nem torça o nariz, se não gosta muito do levado Tom Sawyer: o tempo, o lugar, a história e o Tom aqui são bem diferentes, mas o conteúdo politizado e muito pertinente ao contexto é o que conhecemos do escritor Samuel Clemens.
Encontramos, aqui, o pobre Tom Canty, pobre de nascimento, irmão de suas meninas e vítima de surras do pai e da avó, violentos, bêbados e ladrões, porque se nega a roubar e mal consegue mendigar. A família Canty mora num dos inúmeros cortiços da Londres do século XVII, quando a Inglaterra vivia o reinado de Henrique VIII, pai do jovem Eduardo Tudor, e a única distração de Tom, quando não estava mendigando e nem brincando com seus amigos na rua, era sonhar com reis, príncipes, romances de capa e espada, e toda sorte de aventuras que um pobre como ele pode apenas sonhar. Sua aptidão para os estudos e sua personalidade menos medíocre e mais intelectualizada levam o padre do bairro, dispensado dos serviços reais, a clandestinamente ensinar Tom os rudimentos da leitura, da escrita, da matemática, da história e do latim, alimentando assim a mente fantasiosa do garoto.
Ora, a ironia e mote da narrativa de O príncipe e o mendigo, publicado originalmente em 1882, está justamente em Tom Canty ter nascido no mesmo dia em que tinha nascido o príncipe Eduardo Tudor, e de ambos serem muito parecidos. E acontece, é claro, de o pobre chegar nos portões do castelo quando Eduardo sai para ver o público, de os dois trocarem de papéis em segredo e de viverem toda a aventura do livro, contado em terceira pessoa por um narrador que não deixa, nem por isso, de apontar toda a crítica à pompa e circunstância de uma realeza que nada faz de útil e que custa muito, muito dinheiro mesmo aos cofres públicos falidos ingleses, e nem de mostrar toda a desilusão com a imagem de justiça, bondade, igualdade e sabedoria que o principezinho, na pele do mendigo Tom, descobre ao peregrinar e passar pelas aventuras em companhia do carrasco John Canty e do salvador, o nobre Miles Hendon. Este é um expatriado que volta ao país após 10 anos de serviço ao exército e viagem ao exterior, a fim de retomar seu lugar na família, somente para descobrir que seu irmão Hugo mata o pai de desgosto e se casa com Edith, a prometida do próprio Miles, tornando-se senhor único das terras dos Hendon.
A aguda percepção de uma Inglaterra falida e do que a aristocracia representava, em termos de poder, no século XVII, já seria mais do que suficiente para render a Mark Twain o reconhecimento por esta obra-prima histórica dirigida ao público infantil e juvenil, mas existe, ainda um quê muito sutil e acusativo da subversão que até o mais justo e inocente dos seres, que é Tom Canty, pode sofrer por influência do poder e do dinheiro. Passando-se perfeitamente pelo príncipe (graças, é claro, à educação que lhe havia sido dada pelo padre), ele se deixa envolver pelo cotidiano da corte e, paulatinamente, anestesia sua consciência, esquecendo-se do dinheiro gasto, dos cofres vazios, das diferenças sociais, das extravagâncias dos nobres, e até mesmo da sua origem, apagando pouco a pouco o sofrimento da mãe e das irmãs nas mãos de seu pai e de sua avó. O que o salva de se render definitivamente ao papel que representa e de usurpar o direito de nascença de Eduardo é a figura redentora da mãe, em meio ao público que vai até a praça para assistir à coroação do rei, uma vez morto Henrique VIII. É nesse cenário que ele se arrepende que quase ceder ao conforto e a tudo o que o dinheiro e o poder podem comprar, e cede seu lugar ao “mendigo” Eduardo, que com a ajuda de Miles chega à praça para assumir seu posto real antes que o “farsante” seja coroado.
A saga termina bem, e Tom se vê amparado por Eduardo, bem como a sua mãe e irmãs. O pai vai preso, e o narrador, nesta obra traduzida e adaptada por Maria Lúcia de Mello e Souza, conta ao leitor que o malvado Hugo foge do país, quando no original ele é morto na forca. Este é um dos destinos amenizados (quando não suprimidos) que a equipe de profissionais contratada para trabalhar com a coleção Clássicos da Literatura Juvenil, por censura ou por adaptação à faixa etária, acaba realizando, embora isso não retire da obra o mérito que lhe cabe, e tampouco me impede de recomendar a vocês que o leiam e o recomendem a seus alunos e amigos leitores, porque o espírito político e a crítica social continuam não só atualizadas, mas fazem muita falta num país como o nosso, que carece dessa memória histórica e de discernimentos como estes que nos oferece tão prodigiosamente Mark Twain.
Fonte de informações sobre o autor: http://pt.wikipedia.org/wiki/Mark_Twain
Não se engane, querida leitora e caro leitor, e nem torça o nariz, se não gosta muito do levado Tom Sawyer: o tempo, o lugar, a história e o Tom aqui são bem diferentes, mas o conteúdo politizado e muito pertinente ao contexto é o que conhecemos do escritor Samuel Clemens.
Encontramos, aqui, o pobre Tom Canty, pobre de nascimento, irmão de suas meninas e vítima de surras do pai e da avó, violentos, bêbados e ladrões, porque se nega a roubar e mal consegue mendigar. A família Canty mora num dos inúmeros cortiços da Londres do século XVII, quando a Inglaterra vivia o reinado de Henrique VIII, pai do jovem Eduardo Tudor, e a única distração de Tom, quando não estava mendigando e nem brincando com seus amigos na rua, era sonhar com reis, príncipes, romances de capa e espada, e toda sorte de aventuras que um pobre como ele pode apenas sonhar. Sua aptidão para os estudos e sua personalidade menos medíocre e mais intelectualizada levam o padre do bairro, dispensado dos serviços reais, a clandestinamente ensinar Tom os rudimentos da leitura, da escrita, da matemática, da história e do latim, alimentando assim a mente fantasiosa do garoto.
Ora, a ironia e mote da narrativa de O príncipe e o mendigo, publicado originalmente em 1882, está justamente em Tom Canty ter nascido no mesmo dia em que tinha nascido o príncipe Eduardo Tudor, e de ambos serem muito parecidos. E acontece, é claro, de o pobre chegar nos portões do castelo quando Eduardo sai para ver o público, de os dois trocarem de papéis em segredo e de viverem toda a aventura do livro, contado em terceira pessoa por um narrador que não deixa, nem por isso, de apontar toda a crítica à pompa e circunstância de uma realeza que nada faz de útil e que custa muito, muito dinheiro mesmo aos cofres públicos falidos ingleses, e nem de mostrar toda a desilusão com a imagem de justiça, bondade, igualdade e sabedoria que o principezinho, na pele do mendigo Tom, descobre ao peregrinar e passar pelas aventuras em companhia do carrasco John Canty e do salvador, o nobre Miles Hendon. Este é um expatriado que volta ao país após 10 anos de serviço ao exército e viagem ao exterior, a fim de retomar seu lugar na família, somente para descobrir que seu irmão Hugo mata o pai de desgosto e se casa com Edith, a prometida do próprio Miles, tornando-se senhor único das terras dos Hendon.
A aguda percepção de uma Inglaterra falida e do que a aristocracia representava, em termos de poder, no século XVII, já seria mais do que suficiente para render a Mark Twain o reconhecimento por esta obra-prima histórica dirigida ao público infantil e juvenil, mas existe, ainda um quê muito sutil e acusativo da subversão que até o mais justo e inocente dos seres, que é Tom Canty, pode sofrer por influência do poder e do dinheiro. Passando-se perfeitamente pelo príncipe (graças, é claro, à educação que lhe havia sido dada pelo padre), ele se deixa envolver pelo cotidiano da corte e, paulatinamente, anestesia sua consciência, esquecendo-se do dinheiro gasto, dos cofres vazios, das diferenças sociais, das extravagâncias dos nobres, e até mesmo da sua origem, apagando pouco a pouco o sofrimento da mãe e das irmãs nas mãos de seu pai e de sua avó. O que o salva de se render definitivamente ao papel que representa e de usurpar o direito de nascença de Eduardo é a figura redentora da mãe, em meio ao público que vai até a praça para assistir à coroação do rei, uma vez morto Henrique VIII. É nesse cenário que ele se arrepende que quase ceder ao conforto e a tudo o que o dinheiro e o poder podem comprar, e cede seu lugar ao “mendigo” Eduardo, que com a ajuda de Miles chega à praça para assumir seu posto real antes que o “farsante” seja coroado.
A saga termina bem, e Tom se vê amparado por Eduardo, bem como a sua mãe e irmãs. O pai vai preso, e o narrador, nesta obra traduzida e adaptada por Maria Lúcia de Mello e Souza, conta ao leitor que o malvado Hugo foge do país, quando no original ele é morto na forca. Este é um dos destinos amenizados (quando não suprimidos) que a equipe de profissionais contratada para trabalhar com a coleção Clássicos da Literatura Juvenil, por censura ou por adaptação à faixa etária, acaba realizando, embora isso não retire da obra o mérito que lhe cabe, e tampouco me impede de recomendar a vocês que o leiam e o recomendem a seus alunos e amigos leitores, porque o espírito político e a crítica social continuam não só atualizadas, mas fazem muita falta num país como o nosso, que carece dessa memória histórica e de discernimentos como estes que nos oferece tão prodigiosamente Mark Twain.
Fonte de informações sobre o autor: http://pt.wikipedia.org/wiki/Mark_Twain
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