Coleção Clássicos da Literatura Juvenil

Apresentação e resenha dos livros da coleção editada pela Abril Cultural entre 1971 e 1973.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Volume 30 - A rapaziada de Jô - Louisa May Alcott


Imagino que seja intencional, por parte da equipe de editores, publicar A rapaziada de Jô, um romance eminentemente feminino, logo em seguida a Aventuras de um petroleiro. Equilibra-se, assim, os gostos da audiência da coleção Clássicos da Literatura Juvenil, ao mesmo tempo em que se mantém um fluxo constante de consumo das edições quinzenalmente publicadas.

Tal como o leitor e a leitora devem ter deduzido, esta é a continuação de Mulherzinhas (publicado nesta coleção como volume 16) e mantém o mesmo gênero de romance para moças que gerou a fama de Alcott ainda em vida. Nesta narrativa, o leitor retoma a vida das irmãs March -- agora, viúva Amy (Amélia) Brooke, Sra. Jô (Josefina) Baher, e Amy (Amélia) Laurence -- dez anos a partir do ponto em que a primeira narrativa foi interrompida. Faleceram a Sra. March e a adoentada Beth; e no lar reformado e transformado em escola Plumfield, cresceram os gêmeos Daisy (Margô) e Demi (Semi) Brooke, nasceu a caçula Josie Brooke; nasceram os irmãos Ted e Rob Baher; nasceu a artística e preciosa Bess Laurence, num casamento perfeito da beleza e dos dons de seus pais; e foram acolhidos e criados muitos jovens, como a dedicada estudante de medicina Nan, seu enamorado Tom, o musicista Nat, o marinheiro Emílio, o rebelde e independente Dan, dentre outros e outras jovens que figuram na história.

Neste lugar idílico que é Plumfield, chamado pelas personagens de Parnaso, onde o velho Sr. March é professor e conta histórias como Homero, e onde as musas inspiradoras devotam dons, tempo, amor e caridade aos aspirantes à arte e ao crescimento da alma e do caráter, desenrola-se as tramas de cada uma das jovens personagens. Neste teatro oitocentista em que exala o romance romântico à la José de Alencar, Alcott encontra lugar para enredar tramas que destaquem o caráter dos rapazes e das moças: há o marinheiro indômito, leal e corajoso; o boa-vida que expia sua ilusão e torna-se um dedicado estudioso da música; o desbravador do oeste que se apaixona perdida e secretamente pelo mais belo alabastro que é a jovem Laurence; o estouvado e irresponsável jovem, temperado pela sabedoria e paciência de seu irmão; o perdidamente enamorado que se descobre depois amando outra; o jovem jornalista que desiste da carreira e se torna editor; o frágil e deficiente físico, que não encontra ali seu espaço. Por parte das mulheres, logo uma leitora se identifica com a recatada dona de casa; outra se vê na pele da jovem aprendiz de atriz; outra ainda experimenta a sabedoria de culturas diversas que muitas viagens marítimas trazem, tornando-a corajosa e companheira nos momentos felizes e no perigo de morte -- ou, ainda, há a oportunidade para a leitora se ver na pele da jovem corajosa que contesta a condição feminina e se torna médica, não se casa, e requer o direito de voto. Com tal gama de personagens e subenredos, o narrador apresenta-se maleavelmente na trama, embora esta siga o rigoroso estilo do século XIX e não costure de forma imperceptível as histórias, já que as aventuras são contadas em capítulos separados, num rigor narrativo bastante previsível que, a certa altura, por mais doce que seja, acaba cansando seu público.

Salva-se o romance pela inteligente ação de Jô, carinhosa e sábia mãe que aconselha, aparta, orienta, diverte, consola e agrada seus "filhos" -- pois todos são, para ela filhos queridos do coração que alegram a casa e dão vida ao velho solar transformado em colégio. Desta forma, se por um lado Alcott não alcança a inocência e a magnitude de Mulherzinhas, um romance adolescente tão doméstico e idílico, ela consegue, em A rapaziada de Jô, manter o mesmo espírito idílico (aqui, propositadamente pastoril), embora haja aqui um elemento novo: o outro que vem de fora e segue para fora, para o mundo desconhecido.

Neste livro de 1886, a Europa brilha em espetáculos, em vida boêmia, em arte, em fascínio pelo moderno, pelas vanguardas que logo virão, e os mares são as rotas comerciais amplamente exploradas pelos cargueiros que fazem a fortuna de jovens audaciosos, transportando os produtos americanos e enriquecendo a nação. Esta efervescência casa-se bem com a domesticidade e o ambiente pastoral de Plumfield porque ali existem as aventuras individuais de cada personagem que se descobre crescendo.

Todavia, "romântico", "pastoral" e "doméstico" não são sinônimos de fraqueza ou de incapacidade. Neste novo mundo que se abre ao casamento entre o velho e o novo, entre a tradição e a modernidade, impera a força espartana formadora do caráter e da moral, e os fracos não encontram lugar. Logo no início da narrativa, não se deixa dúvida para esta questão: "O pobre Dick morreu, bem como Billy: talvez tenha sido melhor assim, pois a vida jamais sorriria feliz àquelas duas criaturas, deficientes física e espiritualmente" (ALCOTT, 1886; 1973: 11). Não se espante com esta fala "corriqueira" e condescendente, e lembre-se de que devemos olhar pelas lentes do contexto que gerou a obra. Por isso, numa época em que a beleza, a força física, o status social e o capital -- porque, o tempo inteiro, o narrador fala sobre a benesse de se ter dinheiro e de poder ser caridoso, ajudando a tantos quandos é possível --, são muros indestrutíveis contra os quais "deficientes física e espiritualmente" (e, portanto, doentes) nada podem. Assim foi, por exemplo, para Beth March, a jovem e frágil irmã que, não resistindo, sucumbe e não compartilha a felicidade das outras irmãs. Assim é para Dan Kent, filho de coração de Jô, mas mestiço, rebelde, rude e livre demais, e por isso mesmo indigno do amor da perfeita Bess, a graça mais perfeita que a família March conseguiu produzir em suas gerações, advinda de nobre linhagem, loura, magra, frágil e branca como o mármore, jovem e inocente, e depositária de toda a cultura e a tradição da boa família norte-americana do leste -- em suma, o modelo de personagem romântica, em quem o trágico enamorado Dan morre em batalha, na defesa dos oprimidos indígenas.

De forma semelhante, aqui não há lugar para o risco capital ou o capricho da juventude. Por isso, Tom abandona os malfadados estudos de medicina, que persegue porque acredita-se apaixonado por Nan, e segue sos negócios do pai, do mesmo modo em que Demi abandona a arriscada carreira jornalística para se tornar editor e, mais tarde, sócio do editor, e Nat decai na sociedade europeia porque não pode nem bancar sua vida de luxo e desperdício, e nem possui "berço" que lhe garanta o estilo de vida, restando-lhe pois o duro e longo caminho do estudo e do aperfeiçoamento através de treino e de trabalho assalariado.


Na trama em que tudo acaba em seu devido lugar social e moral, onde todos descobrem seus caminhos, nem mesmo o desencaixe de Dan é imperfeito. Talvez, somente o tom insinuadamente dramático -- num fim em que se declara que "agora, tendo procurado satisfazer a todos com muitos matrimônios, poucas mortes e muita felicidade, deixem que as luzes se apaguem e que o pano caia para sempre sobre a história da família March" (ALCOTT, 1886; 1973: 222) -- seja exagerado. Mas, de novo, como não poderia sê-lo, resultante que é de uma época e de uma escolha literária? Dramático demais ou não, A rapaziada de Jô cumpre o papel de retratar a época, agradar a todos e amarrar a história das personagens meninas que cresceram representando o norte norte-americano e, como tal, perpetuaram esta trajetória.

Fonte de informações sobre a autora:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Louisa_May_Alcott (em português)

http://es.wikipedia.org/wiki/Louisa_May_Alcott (em espanhol, mais completo)


3 Comentários:

Blogger Unknown disse...

Nossa, que achado este blog.

Bom, meu nome é Leonardo, quando criança tive a felicidade de ter pais que incentivavam a leitura.

Hoje estava lembrando dos livros coloridos das "corujas" que eu tinha, e achei este blog.

Parabéns pelo ótimo trabalho.

Onde você adquiriu a coleção? infelizmente por motivo de mudança minha família foi obrigada a doar esta coleção, agora tenho interesse em adquirir os livros para meus filhos.

15 de agosto de 2010 às 02:22  
Blogger Fabiana Tavares disse...

Olá, Leonardo! Obrigada pela visita e pelo comentário. É sempre bom saber que as pessoas gostam das resenhas. Olha, eu fui comprando em sebos, mas eu olhei no Mercado Livre esses dias e vi que há muitos livros da coleção por ali. Dá pra fazer a coleção aos poucos, como eu fiz! Tem até livro lacrado. Se seus filhos são ainda pequenos, estimule-os sempre a ler: a gente sempre aumenta nosso campo de visão, viaja sem sair da poltrona, e volta sempre maior, melhor e mais sabido, rsrsrs. Um abraço e boa coleção!

16 de agosto de 2010 às 00:29  
Blogger laciegabbard disse...

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