Coleção Clássicos da Literatura Juvenil

Apresentação e resenha dos livros da coleção editada pela Abril Cultural entre 1971 e 1973.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Volume 35 - Rei Artur e seus cavaleiros

"O período que se estende do século XII ao fim da Idade Média foi por excelência a época dos romances de cavalaria. Neste gênero de literatura [...] exprimiam-se os mais profundos ideais da alma popular: o ideal de lealdade à sua fé e às suas convicções, da coragem, que tudo suplanta porque tem raiz no espírito, que é invencível; o ideal da luta contra as forças cegas da natureza, e sobretudo contra o mal -- o anseio de explorar reinos desconhecidos, anexando sempre novos territórios ao domínio humano".


Assim tem início a introdução a uma das mais famosas narrativas do mundo ocidental, contadas, recontadas e reapresentadas nas mais diversas roupagens: a do rei Artur e seus cavaleiros da Távola Redonda.


O trigésimo-quinto volume da coleção Clássicos da Literatura Juvenil, Rei Artur e seus cavaleiros (notem, leitores, que assim como nos outros volumes aqui apresentados, a publicação mantém a grafia portuguesa dos nomes estrangeiros), é senão uma adaptação de muitas dessas histórias que se aproximaram e se ligaram através dos séculos, e o texto no qual ela mais se baseia é a do escritor Sir Thomas Malory, Morte d'Arthur. Este foi o primeiro livro publicado em inglês e é conhecido como a maior epopeia inglesa, publicado no século XV.

A estrutura do livro é clássicas das histórias de cavalaria: apresenta-se o nascimento de Artur, sua criação em lugar longe do castelo, por gentil-homem que não sabia sua real origem, sua façanha de retirar Excalibur da bigorna, sua coroação e casamento com Guinevera, e todo o longo período de seu reinado, até que morre em campo de batalha, destruído pelo malévolo Mordred, seu sobrinho (e não seu filho incestuoso, como aparece em outras versões). A narrativa principal, porém, é entremeada das histórias de outros heróis da cavalaria, como Dom Lancelote do Lago, Tristão, e Galaad, além de heróis outros que aparecem em menor escala, embora seus feitos sejam igualmente reconhecidos e nobres.

Particularmente grande é a narrativa de Tristão, pois que engloba do nascimento deste até sua chegada à confraria da Távola Redonda, na qual reuniam-se os 150 cavaleiros do Rei Artur, e liga-se à história principal (ou eixo central, como costumamos chamar na literatura) porque Tristão é conhecido como um dos melhores cavaleiros do rei.

Como o leitor e a leitora podem esperar, trata-se, aqui, de narrativas grandiloquentes, com o emprego respeitoso e antigo do "vós" e suas conjugações, e apresentação de uma Inglaterra nebulosa, ainda em formação, no século V, quando os romanos já tinham deixado as terras britânicas e os anglo-saxões investiam furiosamente contra elas. Misturam-se, aqui, a cultura herdada de Roma, a magia e o fantasioso advindos da cultura celta, a corte e a galanteria que conhecemos tão bem na literatura francesa, e os mais altos valores de nobreza, coragem, lealdade e fé cristã, numa época em que se lutava em nome de uma dama e morria-se por ela ou pela fé, na ponta de uma lança ou no fio de uma espada (mata-se, explode-se e se morre ainda hoje pela fé, mas não me parece tão nobre, elegante e justo quanto o era quando acontecia pela luta de um contra um).

Falo, é claro, de uma narrativa romancizada e, tal como coloca a escritora Pepita de Leão, que adaptou esta obra, ela exprime muito mais a lenda criada no fogo lento dos séculos, no caldeirão de um povo repleto de histórias de magia e cavalaria, do que a real história. Podemos, enquanto leitores que somos, captar dali o sentimento, o estilo, o quadro geral da formação histórica da Grã-Bretanha, mas não é possível afirmar que seja a história de um rei, porque nem mesmo existe acordo sobre um Rei Artur ter de fato existido. Do mesmo modo, não se afirma que tenha existido Avalon, ou que José de Arimateia tenha ido parar na Inglaterra, como conta a narrativa de Galaad e de sua busca pelo Santo Graal -- aliás, uma das narrativas mais belas desta adaptação.

A falta de provas cabais não impediu que o ciclo arturiano ganhasse força, e desse origem a outras novelas de cavalaria, em outros países, das quais Amadis de Gaula, em Portugal, e Canções de Rolando, na França, são exemplos. Tampouco deixou de ganhar adeptos no século XIX, e muito menos que as histórias fossem recontadas no século XX pela literatura e pelo cinema. No campo das letras, os dois grandes representantes das lendas arturianas foram, indubitavelmente, Marion Zimmer Bradley, que num estilo muito romanesco recuperou as lendas a partir da perspectiva feminina e celta, em As Brumas de Avalon (e onde Morgana não era má como aparece nas correntes anteriores), e Bernard Cornwell, que baseou sua recriação em dados históricos e também recuperou a religião druida muito mais fortemente do que se apresentava até o século XIX, quando principalmente os franceses tinham continuado a tradição cristã nas lendas arturianas. No cinema e na TV, já não se pode contar o número de adaptações das lendas arturianas, embora mereça destaque a versão cinematográfica de 2004 justamente porque perdeu o brilho e a magia da cavalaria e porque, rendendo-se à indústria cultural, nada foi além de uma história que poderia ter sido sobre qualquer outro general, e não sobre um rei de nobreza inigualável como o é Artur na literatura.

Nesse sentido é que obras como esta adaptação, apresentada na coleção, são peças preciosas porque recuperam o sentido original da lenda. Elas não deixam, é claro, de fazer o serviço ideológico a favor de uma Inglaterra que já não existe há pelo menos mil anos (Jonathan Swift bem explorou este aspecto, como vimos em Viagens de Gulliver), e ainda servem de mote à indústria de entretenimento, mas jamais deixarão, Artur e seus cavaleiros, de apelar aos corações em favor de uma humanidade e de valores de respeito e leal amizade, tal como o foram até o fim do reinado.


Fonte de informações sobre a lenda e a história: http://pt.wikipedia.org/wiki/Rei_Artur

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