Volume 49 - O Capitão Fracasso - Théophile Gautier

O Capitão Fracasso é um desses livros para os quais o leitor olha na estante e pensa que o tempo dedicado a ele não vale a pena. Mas, como diz o ditado, não se deve julgar um livro pela capa -- ou, em última instância, pelo título.
Escrito em 1835 por um seguidor ávido de Victor Hugo, o penúltimo volume da coleção Clássicos da Literatura Juvenil cumpre de forma eficaz o papel de distrair a burguesia das questões políticas que assolavam a França naquela época, cinco anos após a Revolução de 1830. Já discorremos, ao longo das resenhas apresentadas, sobre a situação francesa do século XIX e o medo que a referida classe tinha de ver o sangue derramado aos litros, como ocorrera durante a Revolução Francesa. Por isso, um romance de capa e espada como este viria bem a calhar, embora só viesse a ser publicado em 1863.
Aqui, o narrador nos leva ao reinado de Luís XIII e, com um incrível poder descritivo que dá cor, textura, temperatura e cheiro ao ambiente, faz-nos entrar no território lúgubre e abandonado do castelo do Barão de Signognac, nobre decadente que descende de Palamède de Sigognac, um dos nobres que fielmente serviram a Carlos Magno, e cuja dinastia se viu à míngua devido à má administração dos bens de seus descendentes. Ali, na região da Gasconha, o jovem barão é um solitário que se isola da sociedade e que, por orgulho, não procura outros nobres ou o rei para pedir-lhe auxílio. Assim, vive dentro dos limites do muro do castelo desgastado pelo tempo, pelos cupins, pelos ratos e pelas intempéries, na companhia de seu cachorro Miraut, de seu gato Béelzébuth, de seu cavalo Bayard e do criado Pierre, ex-professor de esgrima que se dedicara a criar o nobre quando os pais dele vieram a falecer.
A rotina do jovem é alterada quando, numa noite, uma trupe de comediantes bate à sua porta em busca de abrigo. Estes, vendo a miséria e a solidão do rapaz, convidam-no para que os siga a Paris, para onde se dirigiam. Imbuído que estava da secreta vontade de sair da solidão e ainda mais da paixão pela jovem e recatada Isabelle, uma das quatro atrizes, o Barão de Sigognac parte em busca de aventuras com a trupe.
A primeira parte do romance poderia ser considerada centrada no estreitamento de laços de amizade do jovem com a equipe formada por Tirano, chefe da companhia, Blazius, ex-diretor de colégio que se fora suspenso devido ao alcoolismo e também conhecido sob a alcunha de Pedante, Scarpin, ator também experiente, Léandre, o galã das peças, Matamouros, o bobo da corte, e as atrizes: Léonarde, a matrona; Zérbine, a morena sensual e provocativa, Séraphine, que sente constante inveja de Zérbine, e Isabelle, virginal e recatada, filha de uma grande atriz trágica e de um misterioso nobre. Neste período, o Barão de Sigognac não apenas compartilha o prazer da boa mesa e da recepção após os espetáculos bem-sucedidos, como também a miséria e o perigo da morte pelo frio em meio às tempestades de neve. É, a propósito, em meio a uma nevasca que morre Matamouros, já velho e franzino, e é quando o rapaz se oferece como substituto para o papel que o ator tinha na farsa que encenavam nas cidades que percorriam. Para proteger a nobreza e a ascendência, adota o soturno título de Capitão Fracasso. É também nesse período que entram em cena as figuras do ladrão violento Agostin e Chiquita, sua franzina companheira adolescente. Não tendo dado certo um bote sobre a companhia teatral em meio à estrada deserta, Agostin é escorraçado por Tirano, e Chiquita confessa à Isabelle que tinha se enamorado de seu falso colar de pérolas “da cor da lua”, ao que a jovem, numa atitude de bondade e desprendimento, tira o colar do próprio pescoço e o coloca em volta do pescoço da menina.
Ocorre que, na cidade de Poitiers, quando estavam hospedados numa das hospedarias mais populares e bem frequentadas da região, a situação se complica, pois Isabelle passa a ser alvo das investidas do Duque de Vallombreuse, a quem demonstrações de desprezo e frieza atiçam a insistência perante a mulher enamorada. Vendo que nem bilhetes e nem joias a compram, ele resolve ir em pessoa ao ensaio de uma das peças para, ousadamente, investir num contato, mas é flagrado por Sigognac. Sem saber que este é na verdade um nobre, manda que os criados lhe dêem uma surra mas este, ajudado por Tirano e por Scarpin, derrota os enviados de Vallombreuse. Em resposta, envia um nobre como emissário e desafia o duque para um duelo, e o vence facilmente.
A briga dos dois vai ficando cada vez mais séria à medida que a trupe se desloca para Paris e o duque, cego de paixão, manda segui-los e paga para que não só raptem Isabelle, mas matem Sigognac. Ambas as tentativas são uma vez frustradas e, conforme a trama se desenvolve, mais personagens do submundo são apresentados ao leitor. Uma figura, no entanto, torna a aparecer em momentos essenciais do enredo: Chiquita, a espanholinha, que dentro do seu alcance, faz de tudo para proteger Isabelle. A personagem é, na verdade, uma das mais fascinantes do romance de Gautier: dona de uma personalidade ímpar, Chiquita desconhece classe, requinte ou palavras bonitas e fluidas para construir o seu discurso, mas seu olhar penetrante e sua sinceridade a tornam a mais autêntica das personagens do livro, e sua coragem e seu amor por Isabelle e Agostin a tornam, se é que possível, mais bela do que Zérbine ou Séraphine. É graças a ela que Isabelle é resgatada por Signognac e pela trupe de atores, quando Vallombreuse finalmente consegue armar um esquema para distrair os atores e sequestrar a moça. Num segundo duelo de espadas, Sigognac fere seriamente o duque e este, entre a vida e a morte, descobre que Isabelle é sua irmã, tal como o pai, ao chegar ao castelo após o confronto, lhe revela.
Como em todo romance leve e feliz, Vallombreuse se recupera e torna-se irmão amoroso e filho dedicado, Isabelle casa-se com Sigognac e, em segredo, restaura o castelo e compra de volta as terras que haviam sido vendidas ao longo das gerações, e o Barão de Sigognac, agora um governador de província, encontra enterrado, no terreno de seu castelo, um cofre repleto de ouro, joias e títulos que um antepassado havia enterrado há mais de seis séculos, antes de viajar para participar de uma cruzada da qual não voltara.
A leitura do romance vale, por si, pela clássica aventura de capa e espada, e pelas referências históricas e literárias que traz, como a descrição pictórica de Paris e dos vagabundos que vagavam pela Pont-Neuf, bem como das execuções na praça de Grève, ou os títulos de obras e de escritores famosos à época, como Ronsard e Hardy. Porém, mais do que referência ou a maestria literária de saber misturar teatro e romance tão bem como só um escritor de teatro poderia fazer, o autor é hábil para colocar, nas palavras dos atores, palavras de humor e cenas da vida pitoresca, como quando chegam a uma estalagem na qual o dono engrandece tudo quando na verdade quase nada tem a oferecer, bem como a crítica feroz à religião, como quando Tirano explica que atores não podiam ser enterrados em campo-santo (cemitérios de igrejas) porque a Igreja Católica proibia, por considerá-los perdidos. Esta era, aliás, uma das críticas mais ferrenhas de Gautier: a de que religião nada tinha a ver com a arte e, talvez devido ao tom crítico e cínico muito apropriadamente colocado nas falas dos atores, O Capitão Fracasso tenha sido publicado somente quando a atmosfera política estivesse mais propícia a tal leitura, numa prova de que até mesmo nas mais inocentes e convidativas leituras podemos encontrar reflexos da sociedade.
Fonte de informações sobre o autor: http://pt.wikipedia.org/wiki/Th%C3%A9ophile_Gautier
6 Comentários:
Eu estou preocupado com esta menina do Blog ...
Fabiana escreveu sobre 49 livros da coleção e parou de escrever abruptamente ...
Não acredito que ela não terminasse a sua "tarefa" de comentar o último livro da coleção - Tom Jones 50 - se não houvesse um problema de força maior.
Espero que eu esteja enganado e que ela esteja gozando de boa saúde, sempre gostei da coleção e acho ótimo o seu blog.
Alguém sabe o que aconteceu com a Fabiana, também acho estanho que ela tenha parado de escrever o blog sem dar explicações, justamente quando só faltava o último livro. Espero que ela esteja bem.
Eu ganhei esta coleção do meu pai quando era pequena e simplesmente ADORAVA!. Hoje me deu vontade de fuçar no google para ver se alguém falava sobre isso e, supresa!, dei de cara com esse blog, mais completo impossível.
Olá Fabiana! Você leu o último livro?
AMO esse blog!
amoo essa historia,me emocionei..linda demais
Pra mim, esse é o melhor livro dessa coleção.
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial