Coleção Clássicos da Literatura Juvenil

Apresentação e resenha dos livros da coleção editada pela Abril Cultural entre 1971 e 1973.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Volume 20 - Chamado Selvagem - Jack London

Uma das características positivas da coleção Clássicos da Literatura Juvenil é apresentar ao seu público leitor diferentes mundos e diferentes gêneros de literatura. De uma aventura no mar, passa-se ao romance de capa e espada, então a um mundo em desenvolvimento na América, para ir à velha Europa vitoriana e, depois, ao mitológico mundo da Grécia, e de volta à Europa da rainha, das cruzadas, ou ainda à América da Guerra de Secessão. Tais foram as aventuras pelas quais o leitor passou até chegar ao vigésimo volume, Chamado Selvagem.

Originalmente publicado em 1903, Chamado Selvagem narra a história do cão mestiço de são bernardo com pastor escocês, chamado Buck, do momento em que é raptado do lar, numa fazenda de Santa Fé, estado da Califórnia, e é vendido como cão de tração e transporte de trenó no Alasca. Nesse processo, Buck desaprende civilidade, servidão cega e medo, porque passa, como conta o narrador em terceira pessoa, por um aprendizado à base do porrete e da dentada, até subjugar o líder e tornar-se ele mesmo o líder da matilha que conduz o trenó de transportes por milhares de quilômetros através do gelo. No decorrer de sua vida de cão de transporte, vê o que a ganância e a miséria humana é capaz de fazer não só aos cães, mas aos próprios humanos, que por ouro -- pois estavam todos na corrida do ouro em Klondike, no Alasca -- chegam às raias do desespero por comida, por água e por um pouso ao corpo cansado, sem com isso querer dizer que pensam e cuidam da mesma forma dos cães que os servem.

O que London coloca diante dos olhos do leitor é uma vida dura, e o ensinamento através da violência pode ser muito questionado atualmente. A questão é não se esquecer que, na virada do século XIX para o XX, não se falava em direitos humanos, nem em direito dos animais, e nem mesmo em sociedade civilizada, e o que poderia ser entendido como barbárie é, como ele bem coloca, resultado da tentativa de sobrevivência num local inóspido e que não recepciona de modo algum a chegada de humanos outros que não os indígenas que ali já viviam. É como o narrador coloca, a um dado momento, quando Buck aprende a roubar comida: "Marcou sua adaptabilidade e capacidade para se ajustar a novas condições de vida, a falta do que significaria morte rápida e terrível. Marcou, além disto, a decaída ou esfacelamento de sua natureza moral, coisa vã e inconveniente na impiedosa luta pela existência. Funcionava bem nas terras do sul, sob a lei do amor e da camaradagem, respeitar a propriedade privada e sentimentos pessoais; mas nas terras do norte,sob a lei do porrete e da dentada, quem levasse em consideração tais coisas era tolo e, enquanto as respeitasse, deixaria de prosperar" (LONDON, 1903; 1972: 36).

Ao longo da narrativa, torna-se claro que o importante não é, pois, questionar a moralidade, o servilismo ou a "civilidade" de Buck, dado que ele se encontra numa terra em que somente os mais fortes sobrevivem. O livro trata, na verdade, da transformação deste cão domesticado em um verdadeiro cão selvagem, que atende ao apelo da natureza, e aprende a ser forte, a sobressair-se da dor, do torpor, do medo, da fome, do cansaço, e tornar-se forte e uno com o chamado natural e selvagem: o chamado da ancestralidade, que o faz tornar-se quase um lobo, a unir-se com eles no final do livro, quando finalmente já tenha passado pela experiência de sentir verdadeiro amor pelo homem não por servidão, por reconhecimento, mas por ser tratado como um igual por um deles, quando se encontra em situação de morte iminente. Quando John Thornton o salva de morrer de cansaço, de inanição e de surra de pauladas, ele se recupera e se torna amigo fiel e dividido entre o amor que sente pelo mineirador e entre o apelo da natureza que, em semivigília, vê através das fagulhas das fogueiras, em sombras de homens ancestrais, ou através dos uivos que ouve na floresta. Somente com a morte de seu amigo -- por emboscada de indígenas em território quase inexplorado -- é que vinga a morte do homem e encontra aí a oportunidade perfeita de finalmente atender ao chamado do sangue, da natureza e da ancestralidade, de forma que se junta à matilha de lobos selvagens, sem nunca esquecer a lição que aprende com os homens: a de que eles podem dobrar sua vontade pela violência ou pelo verdadeiro amor.

Chamado Selvagem fez estrondoso sucesso ainda na época de seu lançamento, e confirmou uma vida de produção literária na curta carreira de Jack London, o menino que cresceu pobre, trabalhou nas mais diversas profissões, foi preso por vadiagem, explorou o Klondike -- de onde saiu inspiração para este romance, embora ele tenha reconhecido que outra obra também lhe tenha inspirado --, transformou-se de socialista em republicano e decidiu que sua capacidade criativa e de produção escrita o tiraria da miséria e faria sua fortuna, porquanto literatura para ele estivesse ligada à produção e ao mundo do trabalho. Muitas vezes questionado sobre isso, London soube lidar com as críticas em meio às viagens que fazia e às reviravoltas em sua vida pessoal e soube aproveitar o grande movimento das revistas literárias tão em voga no início do século XX, nos Estados Unidos, até que fosse encontrado morto na varanda de sua casa, aos 40 anos, no que o legista descreveu como uremia e cólica renal. Tenha sido isso ou suicídio, como alguns estudiosos depois afirmaram, o escritor, nascido John Griffith London, não precisou testemunhar a crise catastrófica de 1929 para saber a extensão e a força dos braços do sistema capitalista, e nem precisou fazer campanha contra ou a favor de política e economia, ou ater-se a questões morais e religiosas para estabelecer seu ponto de vista, e talvez por isso mesmo seja, até hoje, tão controverso e ainda assim, pela força de sua criação literária, tão lido, estudado e visto nas produções cinematográficas e televisivas que existem sobre suas obras.

Fonte de informações sobre o autor:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jack_London

3 Comentários:

Blogger MariaChiquinha disse...

Maravilhosa coleção eu tive ela e doei, agora vou comprar novamente. Amo ler. Adorei teu blog vou vir aqui mais vezes. Não resisti já copiei para o meu site um dos textos. Continue seu trabalho é magnifico.

26 de setembro de 2010 às 10:39  
Blogger Fabiana Tavares disse...

Puxa vida, é legal ver que as pessoas estão lendo e gostando. Eu, pelo menos, gosto muito de escrever, e ainda mais de ler os livros! Espero que você consiga refazer sua coleção. Procure online, sempre há volumes sendo vendidos a preços de ocasião. Beijos!

18 de outubro de 2010 às 15:46  
Blogger Unknown disse...

Comprei esse livro ante-ontem, em um sebo de rua no Lgo. Do Machado, aqui no RJ. Só pude terminá-lo agorinha a pouco. Muito bom o livro, muito bom mesmo! Indico a qualquer um! Uma ótima leitura, emocionante e repleta de bravura e coragem. Certamente, a obra-prima de Jack London!

27 de setembro de 2011 às 22:50  

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