Coleção Clássicos da Literatura Juvenil

Apresentação e resenha dos livros da coleção editada pela Abril Cultural entre 1971 e 1973.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Volume 44 - A ilha misteriosa - Júlio Verne


A capa do livro parece mais pertencer a Cinco semanas em um balão, mas este é de fato A ilha misteriosa, romance de Júlio Verne publicado em 1874.
A história tem início no ano de 1864, quando os Estados Unidos ainda estão combatendo na Guerra Civil, e 5 homens do norte são feitos prisioneiros pelos soldados do sul. Presos em Richmond, eles conseguem a façanha de fugir através de um balão que seria usado para festividades, mas devido às tempestades, caem em pleno mar do oceano Pacífico, perto de uma ilha desconhecida.
O primeiro "mistério" da ilha se dá quando os náufragos encontram seu quinto elemento, dado como morto, em um lugar protegido, sem que sequer este se dê conta de como havia ido parar ali. Este é, na verdade, o engenheiro Cyrus Smith, o membro mais importante para a sobrevivência e a qualidade de vida de todos na nova terra. Com um conhecimento em engenharia mecânica, em ciências químicas, biológicas, naturais e em física, Smith e os outros homens -- o marinheiro Pencroff e seu protegido, o rapaz Harbert, o repórter Spillet e o ex-escravo Nab, que cresceu servindo a Cyrus -- conseguem edificar construções para habitação e cuidado com animais, plantar sementes, fundir ferramentas, construir diques, e até elevadores.
As coisas, na verdade não se dão de maneira tão tranquila, e tampouco são rápidas. Na exploração que fazem da ilha, nomeiam-na Ilha Lincoln, em homenagem ao homem que promovera o movimento de libertação dos negros na América do Norte, e descobrem que o mar é habitado por criaturas desconhecidas, que colocam a vida dos habitantes da ilha em risco. Mais uma vez, eles e o cachorro Top (que viera também no balão) são misteriosamente salvos, e continuamente, ao longo dos meses, são ajudados sem que saibam quem ou o que está por trás das ações. Ora eles vêem voltar o barco que sumira com a maré, ora conseguem salvar um náufrago numa ilha perto daquela, por obra de aviso da existência daquele homem (cujo nome é Ayrton e havia sido abandonado como punição a crimes), ora conseguem remédio para curar a febre sazonal de um dos integrantes da equipe.
A maior ajuda, e a que literalmente salva a vida de todos, se dá quando, meses após o naufrágio de um navio-prisão e a luta que travam contra náufragos bandidos para defenderem seu território e sua sobrevivência, eles acabam por encontrá-los mortos na orla, logo após terem encontrado Ayrton, que havia sido preso pelos criminosos numa caverna, em recuperação na casa do curral, onde o resgatado costumava viver. Mais algum tempo se passa e eles finalmente recebem uma mensagem no telégrafo que Cyrus havia construído. Diz a mensagem: "venham até a casa do curral". Descobrem que o fio se estendia pela praia, passando o rio, descendo o terreno e indo até uma caverna no mar. Ali, descobrem um submarino e, finalmente, o autor de todas a ajuda que haviam tido ao longo de cinco anos. Trata-se do capitão Nemo, que não havia morrido no redemoinho marítimo do final de 20.000 léguas submarinas, mas ido parar nesta ilha e ali encalhado. Já idoso, encontra-se às portas da morte e chama os homens para duas finalidades: entregar-lhes um cofre com riquezas para que possam se reintegrar à sociedade tão logo consigam sair da ilha e pedir ao engenheiro e a seus companheiros que o sepultem no fundo do mar junto com o Nautilus.
Há, ainda, uma informação preciosa que ele compartilha somente com o engenheiro: a ilha, vulcânica por natureza, deverá sofrer um grande abalo pelo vulcão em vias de entrar em erupção, e por isso deverá sumir. Por isso, ele o orienta a construir uma embarcação, tomar sues homens e retornar à pátria antes que sucumbam na ilha, e assim é feito. Como o leitor e a leitora podem esperar, tudo é cercado de aventura e o sucesso das ações são sempre conseguidos por um triz, mas o final feliz é garantido.
Como sempre, a genialidade de Verne é aqui colocada, mas não de maneira marcante como nos outros livros. Numa coleção repleta de histórias de naufrágio como é esta de Clássicos da Literatura Juvenil, a história repete bastante a estrutura de Robinson Crusoé e de Robinson Suíço, e os detalhes de construção da ilha chegam a cansar o leitor. Mesmo assim, a leitura vale como desfecho da história iniciada em outro livro. Aqui, o narrador coloca Nemo contando sua história, sua origem e suas desventuras, até negar sua identidade e sua pátria para se tornar o capitão dono dos mares. Este, porém, é um segredo que só aqueles que se aventurarem a ler a obra descobrirão.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Volume 43 - Carlos Magno e seus cavaleiros

Até ter iniciado a leitura de Carlos Magno e seus cavaleiros, tudo o que eu fazia era olhar para o volume 43 na minha estante e imaginar que livro seria aquele. De início, parecia-me algo no estilo das lendas arturianas, mas eu imaginava que fosse algum romance francês do início do século XIX em que algum autor tivesse recontado a história do Rei Carlos e de seus doze pares de França.

Ora, muito grata foi minha surpresa ao descobrir que os editores da coleção Clássicos da Literatura Juvenil nos presentearam com nada mais, nada menos do que a adaptação traduzida de A canção de Rolando, pois este é o título dos originais que foram aqui publicados sob o nome do volume que agora lhes apresento. Àqueles que não a conhecem, trata-se de um poema épico muito grande, uma canção de gesta com quatro mil versos e nove versões conhecidas, e cuja autoria é desconhecida, embora seja atribuída a um certo Turold. Em tempo: gesta, do latim, significa "de aventura", e então as canções de gesta, tão comuns no Trovadorismo, são aquelas que narram as grandes aventuras e feitos dos heróis. Na Espanha, por exemplo, há Amadis de Gaula (há quem diga que é Portugal), e o livro Dom Quixote, já tratado na quinta resenha deste blog, é senão uma sátira de tais canções e histórias dessas novelas de cavalaria, numa época em que a própria cavalaria já andava decadente demais e quase desaparecida.
A principal narrativa do livro é, como se espera, a vida e a morte de Rolando, sobrinho do Rei Carlos Magno e seu paladino predileto, embora outros sejam tão louváveis quanto Rolando. Ali encontramos Reinaldo e seu amor pelo cavalo Baiardo, que ele mesmo conquistou; Ogier, o rei dinamarquês; Olivério, primo de Rolando e seu melhor amigo, que morre com ele em batalha; Florismaldo, que se casa com Flordeliz (o nome, aqui, refere-se à flor-de-lis, símbolo da França); e Astolfo, o homem mais bonito e querido das fadas, dentre outros pares de França. dizia-se "pares" porque eram iguais entre si, não sendo um mais querido do que o outro.
Enquanto o narrador trata das aventuras de Rolando em busca de sua honra e de se provar um bom cavaleiro para o rei, entremeiam-se na trama histórias fantásticas de feiticeiras que conquistam e encarceram os cavaleiros em castelos mágicos, lindos, feitos de alabastro, ouro, e cristais, contornados por jardins que a língua humana não conseque descrever, dentro de ilhas distantes protegisdas pelo bravio oceano e por míticos monstros marinhos, e as aventuras a que tantos homens e donzelas corajosas e guerreiras se submetem para salvar seu respectivo amado. Nesse sentido, as histórias lembram bastante aquelas narrativas das pequenas histórias de As mil e uma noites, e também, como não podia deixar de ser, das lendas arturianas. Há até mesmo uma história em que uma heroína encontra, em sua peregrinação para o resgate de seu amado Rogério, a caverna que serve de túmulo a Merlim, guardado ali pela feiticeira Melissa, que a ajuda. Há, também, a história de Ogier, preso por duzentos anos na ilha de Avalon, por Morgana -- e, aqui, ela é tão má quanto é sua caracterização nos livros de Arthur, embora agora seja linda --, e que, no estilo sebastianista português, retorna à França no momento em que ela mais precisa de ajuda para derrotar os exércitos sarracenos (leia-se muçulmanos) que então tomavam conta da França, para depois voltar a Avalon, até que outra situação extrema demande a volta imperiosa do herói.
Dentre as várias histórias maravilhosas, chamou-me a atenção a de Astolfo e o resgate do juízo de Rolando. Este encontrava-se há muito tempo perdido e louco, como um selvagem, vagando em um bosque, pois que perdera seu juízo ao descobrir que a mulher que amava, a feiticeira Angélica, de Catai (era assim que se dizia "China", na época), havia se casado. Em suas aventuras com o hipogrifo do feiticeiro Atlante, Astolfo sobe tanto aos céus que vai parar num mundo que fica entre a Terra e o paraíso. Ali, encontra o profeta Elias e João Batista. Elias explica-lhe que ele, por poder voltar à Terra, pode restaurar o juízo de Rolando, porque quando os homens perdem o juízo, este evola-se em fumaça e sobe ao céu, indo parar na lua. Numa caruagem de fogo, Astolfo segue com Elias até a lua e descobre que ela é como a Terra, com cidades, torres e castelos. Num deles, encontra uma sala repleta de estantes. EM cada prateleira, há um vidro onde se lê o nome de cada homem ou mulher, e cada vido está mais ou menos cheio do juízo da pessoa em questão -- depende do quanto a pessoa ainda é sábia e sã ou enlouquecida. Encontram o vidro de Rolando repleto até a boca, e o do próprio Astolfo, na metade. Elias explica-se que ele pode pegar o seu vidro e aspirar a fumaça para recuperar aquela parte do seu juízo. Novamente muito sábio, Astolfo pega o vidro de Rolando e o protege, e desce dali para primeiro combater na Abissínia e, depois, resgatar Rolando do bosque e, à força, fazê-lo aspirar novamente todo o juízo perdido. Ali na lua, Astolfo também conhece um lugar repleto de todos os tipos de objetos, inclusive uma coroa, jogados a esmo, e Elias explica-lhe que ali é o lugar para onde vão todas as coisas desaparecidas do mundo e que ninguém sabia explicar onde tinham ido parar.
Assim como em outras narrativas lidas ao longo deste ano, esta experiência mostra que a coleção traz ao leitor narrativas-mestre que deram origem a muitas histórias famosas. Esta, por exemplo, com este episódio de Astolfo, remete sobremaneira aos pensamentos encapsulados pelo professor Dumbledore, ou as profecias guardadas nas estantes do Ministério da Magia, em Harry Potter e a Ordem da Fênix, ou ainda à Sala Precisa, onde Harry esconde o livro de poções e onde desesperadamente busca o diadema (isto é, a coroa) de Rowena Ravenclaw.
No entanto, mais do que servir como base para a criação literária dos séculos recentes, narrativas como Carlos Magno e seus cavaleiros trazem o contexto histórico e social de formação europeia, que é muito importante para que nós possamos entender até mesmo como se formou a nossa cultura e a nossa tradição literária. País herdeiro desta cultura que somos, compreendemos, através dessa narrativa, a amplitude da força religiosa e política da Igreja Católica na formação de nações como a França e o domínio de países como a Espanha, que durante muito tempo esteve sob o comando dos muçulmanos e, quando partiu em busca da conquista da América, tinha Isabel de Castela e toda a política de caça às bruxas -- ou aos sarracenos e judeus -- como afirmação da fé católica. Romancizado como deve ser, a história contada nas versões da canção de Rolando, como nesta que o leitor e a leitora podem ler atualmente, não deixa de trazer o aspecto histórico mas, acima de tudo, num mundo em que tudo é entretenimento, ou escape, ou desmanche, torna-se mote para diversão e distração.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Volume 42 - Os piratas da Malásia - Emílio Salgari

Emílio Salgari, escritor italiano que viveu na virada do século XIX para o século XX, aparece pela terceira vez na coleção Clássicos da Literatura Juvenil, agora com a história de Sandokan, famoso líder dos piratas, conhecido como Tigre da Malásia (Tigre da Malásia é, aliás, o primeiro livro em que Sandokan aparece, mas não foi publicado nesta coleção).

O fiel leitor da coleção abre as páginas do livro já preparado para a série de aventuras e intrigas que a narrativa traz, e não é decepcionado. De fato, o livro já tem início com a chegada de um servo indiano e sua jovem senhora enlouquecida pelas experiências traumáticas e pelo sumiço do noivo, e a busca que Sandokan empreende à procura do moço. Isso porque a moça é prima de sua finada esposa, e ele havia prometido à mulher que a protegeria.

A procura pelo rapaz indiano é longa e toma grande parte do livro. Envolve desde espionagem, pilhagem de navios e experiência de quase-morte à la Julieta (sim, aquela que toma um remédio para se fingir de morta, na peça de Shakespeare) a naufrágios, prisão, disputas, lutas e resgates de prisioneiros. Nesse ínterim, o leitor é convencido de que, no caso de Sandokan, pirataria não é para realizar maldade e tampouco somente visa à riqueza. Ele o faz para proteger amigos e porque encontrou na pirataria um modo de continuar a reinar, uma vez que fora um rajá e teve sua família assassinada antes de ter tido seu poder sobre a ilha de Bornéu usurpado. Além disso, é através de seus feitos que consegue restabelecer a ordem na região, desafiando o rajá inglês James Brooke, que toma o poder para si ao destituir um rajá local, realizando assim uma ação semelhante àquela sofrida por Sandokan. Ora, acontece de, durante o restgate do indiano, Sandokan conseguir libertar o rajá preso, atacar a ilha de Sawarak e destituir de fato o poder de Brooke. Porém, como herói que é nesta história, e sendo ele dono dos valores morais que casam com os feitos heróicos, o Tigre da Malásia liberta Brooke e o aconselha a fugir antes que o jovem rajá libertado retorne e reclame sua cabeça.

De certa maneira, a estrutura de Os piratas da Malásia se assemelha bastante à daquela de O corsário negro. Falo, particularmente, de personagens que tiveram suas famílias assassinadas e cuja personalidade é misteriosa e muito reservada. Assim se apresenta tanto Emílio de la Roccanera quanto Sandokan. Do mesmo modo, ambos empreendem um resgate arriscado, que resulta em lutas, mortes, incêndios, sequestros de navios e naufrágios. Finalmente, ambos buscam destituir o poder dos opressores -- um prometeu matar Wan Guld, o governador-geral da ilha, o outro ajuda a restaurar o poder da ilha ao verdadeiro rajá, fazendo com que o James Brooke abandone o posto e, também suas riquezas.

Entretanto, numa coleção em que tanto já se falou em navegação, aventuras e feitos heróicos em prol do benefício de outrem, o leitor não questiona a validade da pirataria ou os seus valores, porque elas aqui encenam os valores dos pobres e/ ou dos marginalizados, e aqueles que figuram como os piratas que saqueiam, matam e usam de crueldade são mortos em consequência das suas próprias ações, como é o caso dos trezentos prisioneiros que seriam encarcerados em Norfolk, na Austrália, e Sandokan liberta em meio a um levante no navio que ele havia planejado. Continua-se, deste modo, a perpetuar para os jovens leitores a fantasia que, no todo, permeia a idealização da figura do pirata solitário. No fim, não é nada além disso que a coleção -- ou os leitores -- parecem desejar, pois quando o mundo já é tão ruim, é sempre um alívio encontrar nas páginas de um livro a fuga e o mínimo de justiça social.

Fonte de informações sobre o autor: http://pt.wikipedia.org/wiki/Emilio_Salgari