Coleção Clássicos da Literatura Juvenil
Apresentação e resenha dos livros da coleção editada pela Abril Cultural entre 1971 e 1973.
sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014
terça-feira, 7 de junho de 2011
Volume 49 - O Capitão Fracasso - Théophile Gautier
O Capitão Fracasso é um desses livros para os quais o leitor olha na estante e pensa que o tempo dedicado a ele não vale a pena. Mas, como diz o ditado, não se deve julgar um livro pela capa -- ou, em última instância, pelo título.
Escrito em 1835 por um seguidor ávido de Victor Hugo, o penúltimo volume da coleção Clássicos da Literatura Juvenil cumpre de forma eficaz o papel de distrair a burguesia das questões políticas que assolavam a França naquela época, cinco anos após a Revolução de 1830. Já discorremos, ao longo das resenhas apresentadas, sobre a situação francesa do século XIX e o medo que a referida classe tinha de ver o sangue derramado aos litros, como ocorrera durante a Revolução Francesa. Por isso, um romance de capa e espada como este viria bem a calhar, embora só viesse a ser publicado em 1863.
Aqui, o narrador nos leva ao reinado de Luís XIII e, com um incrível poder descritivo que dá cor, textura, temperatura e cheiro ao ambiente, faz-nos entrar no território lúgubre e abandonado do castelo do Barão de Signognac, nobre decadente que descende de Palamède de Sigognac, um dos nobres que fielmente serviram a Carlos Magno, e cuja dinastia se viu à míngua devido à má administração dos bens de seus descendentes. Ali, na região da Gasconha, o jovem barão é um solitário que se isola da sociedade e que, por orgulho, não procura outros nobres ou o rei para pedir-lhe auxílio. Assim, vive dentro dos limites do muro do castelo desgastado pelo tempo, pelos cupins, pelos ratos e pelas intempéries, na companhia de seu cachorro Miraut, de seu gato Béelzébuth, de seu cavalo Bayard e do criado Pierre, ex-professor de esgrima que se dedicara a criar o nobre quando os pais dele vieram a falecer.
A rotina do jovem é alterada quando, numa noite, uma trupe de comediantes bate à sua porta em busca de abrigo. Estes, vendo a miséria e a solidão do rapaz, convidam-no para que os siga a Paris, para onde se dirigiam. Imbuído que estava da secreta vontade de sair da solidão e ainda mais da paixão pela jovem e recatada Isabelle, uma das quatro atrizes, o Barão de Sigognac parte em busca de aventuras com a trupe.
A primeira parte do romance poderia ser considerada centrada no estreitamento de laços de amizade do jovem com a equipe formada por Tirano, chefe da companhia, Blazius, ex-diretor de colégio que se fora suspenso devido ao alcoolismo e também conhecido sob a alcunha de Pedante, Scarpin, ator também experiente, Léandre, o galã das peças, Matamouros, o bobo da corte, e as atrizes: Léonarde, a matrona; Zérbine, a morena sensual e provocativa, Séraphine, que sente constante inveja de Zérbine, e Isabelle, virginal e recatada, filha de uma grande atriz trágica e de um misterioso nobre. Neste período, o Barão de Sigognac não apenas compartilha o prazer da boa mesa e da recepção após os espetáculos bem-sucedidos, como também a miséria e o perigo da morte pelo frio em meio às tempestades de neve. É, a propósito, em meio a uma nevasca que morre Matamouros, já velho e franzino, e é quando o rapaz se oferece como substituto para o papel que o ator tinha na farsa que encenavam nas cidades que percorriam. Para proteger a nobreza e a ascendência, adota o soturno título de Capitão Fracasso. É também nesse período que entram em cena as figuras do ladrão violento Agostin e Chiquita, sua franzina companheira adolescente. Não tendo dado certo um bote sobre a companhia teatral em meio à estrada deserta, Agostin é escorraçado por Tirano, e Chiquita confessa à Isabelle que tinha se enamorado de seu falso colar de pérolas “da cor da lua”, ao que a jovem, numa atitude de bondade e desprendimento, tira o colar do próprio pescoço e o coloca em volta do pescoço da menina.
Ocorre que, na cidade de Poitiers, quando estavam hospedados numa das hospedarias mais populares e bem frequentadas da região, a situação se complica, pois Isabelle passa a ser alvo das investidas do Duque de Vallombreuse, a quem demonstrações de desprezo e frieza atiçam a insistência perante a mulher enamorada. Vendo que nem bilhetes e nem joias a compram, ele resolve ir em pessoa ao ensaio de uma das peças para, ousadamente, investir num contato, mas é flagrado por Sigognac. Sem saber que este é na verdade um nobre, manda que os criados lhe dêem uma surra mas este, ajudado por Tirano e por Scarpin, derrota os enviados de Vallombreuse. Em resposta, envia um nobre como emissário e desafia o duque para um duelo, e o vence facilmente.
A briga dos dois vai ficando cada vez mais séria à medida que a trupe se desloca para Paris e o duque, cego de paixão, manda segui-los e paga para que não só raptem Isabelle, mas matem Sigognac. Ambas as tentativas são uma vez frustradas e, conforme a trama se desenvolve, mais personagens do submundo são apresentados ao leitor. Uma figura, no entanto, torna a aparecer em momentos essenciais do enredo: Chiquita, a espanholinha, que dentro do seu alcance, faz de tudo para proteger Isabelle. A personagem é, na verdade, uma das mais fascinantes do romance de Gautier: dona de uma personalidade ímpar, Chiquita desconhece classe, requinte ou palavras bonitas e fluidas para construir o seu discurso, mas seu olhar penetrante e sua sinceridade a tornam a mais autêntica das personagens do livro, e sua coragem e seu amor por Isabelle e Agostin a tornam, se é que possível, mais bela do que Zérbine ou Séraphine. É graças a ela que Isabelle é resgatada por Signognac e pela trupe de atores, quando Vallombreuse finalmente consegue armar um esquema para distrair os atores e sequestrar a moça. Num segundo duelo de espadas, Sigognac fere seriamente o duque e este, entre a vida e a morte, descobre que Isabelle é sua irmã, tal como o pai, ao chegar ao castelo após o confronto, lhe revela.
Como em todo romance leve e feliz, Vallombreuse se recupera e torna-se irmão amoroso e filho dedicado, Isabelle casa-se com Sigognac e, em segredo, restaura o castelo e compra de volta as terras que haviam sido vendidas ao longo das gerações, e o Barão de Sigognac, agora um governador de província, encontra enterrado, no terreno de seu castelo, um cofre repleto de ouro, joias e títulos que um antepassado havia enterrado há mais de seis séculos, antes de viajar para participar de uma cruzada da qual não voltara.
A leitura do romance vale, por si, pela clássica aventura de capa e espada, e pelas referências históricas e literárias que traz, como a descrição pictórica de Paris e dos vagabundos que vagavam pela Pont-Neuf, bem como das execuções na praça de Grève, ou os títulos de obras e de escritores famosos à época, como Ronsard e Hardy. Porém, mais do que referência ou a maestria literária de saber misturar teatro e romance tão bem como só um escritor de teatro poderia fazer, o autor é hábil para colocar, nas palavras dos atores, palavras de humor e cenas da vida pitoresca, como quando chegam a uma estalagem na qual o dono engrandece tudo quando na verdade quase nada tem a oferecer, bem como a crítica feroz à religião, como quando Tirano explica que atores não podiam ser enterrados em campo-santo (cemitérios de igrejas) porque a Igreja Católica proibia, por considerá-los perdidos. Esta era, aliás, uma das críticas mais ferrenhas de Gautier: a de que religião nada tinha a ver com a arte e, talvez devido ao tom crítico e cínico muito apropriadamente colocado nas falas dos atores, O Capitão Fracasso tenha sido publicado somente quando a atmosfera política estivesse mais propícia a tal leitura, numa prova de que até mesmo nas mais inocentes e convidativas leituras podemos encontrar reflexos da sociedade.
Fonte de informações sobre o autor: http://pt.wikipedia.org/wiki/Th%C3%A9ophile_Gautier
segunda-feira, 4 de abril de 2011
Volume 48 - Oliver Twist - Charles Dickens
terça-feira, 25 de janeiro de 2011
Volume 47 - A pequena Fadette - George Sand
sábado, 22 de janeiro de 2011
Volume 46 - O corcunda de Notre-Dame - Victor Hugo
Volume 45 - Os trabalhadores do Mar - Victor Hugo
De fato, é nesta ilha que tem lugar a história do solitário Gilliatt, órfão de mãe e cujo pai é desconhecido, e que mora numa casa tida pelos moradores locais como assombrada, próxima a uma encosta do mar, afastada do centro do vilarejo. Exímio pescador e homem do mar, porém mal compreendido pela sociedade local, que é muito supersticiosa, vive para si e para seu amor platônico, a jovem e bela Déruchette, sobrinha do mais famoso e bem-sucedido homem da região: o Mess Léthierry.
Mess Léthierry é dono do Durande, o primeiro barco a vapor da região que, justamente por possuir velocidade, cumpre a viagem no Canal da Mancha com mais velocidade e consegue, portanto, manter um comércio mais próspero com a Inglaterra. Consequentemente, a atividade faz de Mess Léthierry (e o autor explica que "Mess" é o segundo mais alto título de alguém não-nobre a que um homem pode almejar naquela ilha) o homem mais rico da ilha. Em dias mais antigos, havia confiado em seu sócio, mas este o traíra e levara consigo a fortuna de ambos. Foi Durande, o barco que ele mesmo construiu, que lhe trouxe a glória. Por isso, tem pelo barco o mesmo amor que tem por sua sobrinha, a quem educa para ser uma esposa dedicada e muito doméstica. O velho homem sonha ter para capitão do barco um genro que seja apaixonado por Dérouchette e tão bom homem do mar quanto ele, que possa amar Durande com a mesma intensidade. Enquanto isso não acontece, ele deixa Durande a cargo do capitão Clubin, tido como lobo do mar, ou seja, extremamente experiente e sem medo das águas repletas de rochedos da região.
Os destinos de Mess Léthierry, Déruchette e Gilliat se cruzam quando o capitão Clubin leva a embarcação ao mar em dia de tempestade e entra num nevoeiro, chocando-se com os rochedos escarpados que coalham o mar em torno da ilha. O desesperado dono do barco entende que Clubin sucumbe ao mar e ouve dos marinheiros que a embarcação está parcialmente destruída, mas seu motor se encontra intacto, preso entre dois altos e afiados rochedos. Sem esperança, oferece a mão de sua sobrinha ao corajoso homem que salvar a Durande. Escutando sob a janela, Gilliatt empreende a viagem à embarcação e, durante semanas, enfrenta o sol inclemente, a sede, a fome, a febre, os tremores e o cansaço, e consegue, construir uma espécie de estrutura elevadiça com a madeira do barco, com a qual consegue içar o motor e colocá-lo em sua chalupa.
A luta que o homem enfrenta contra as intempéries já seria o suficiente para marcar o ponto de vista de Hugo sobre a relação do homem com a natureza, mas o toque sobrenatural do livro é marcado pela presença do monstro marinho que ataca Gilliatt. Este é o momento em que o leitor encontra uma luta encarniçada do herói pela vida, e é quando grande parte do mistério do romance em torno do sócio desaparecido de Mess Léthirry e de Clubin são desvendados. De uma forma quase miraculosa, Gilliatt mata o polvo que o ataca, e consegue voltar à ilha. Sujo, descabelado, doente, magro, com a pele descascando, exausto, com fome, e com suas energias drenadas, consegue amarrar sua chalupa atrás da casa do tio de Déruchette, e quando este descobre ali a alma de sua embarcação -- o que lhe salva a posição política e a fortuna --, reconhece Gilliat perante a sociedade local como seu salvador e concede a mão de Dérouchette a ele.
As histórias de Victor Hugo, no entanto, não são mais tão exageradamente românticas como as que inauguraram o movimento romântico em 1802: são marcadas pelo herói solitário que sofre o preconceito social por não se encaixar no perfil do cidadão médio, e seu fim não é feliz. Gilliatt descobre que Déruchette, a quem ama há anos, silenciosamente, ama o jovem reverendo inglês Ebenezer Caudray, que havia chegado há poucos meses em Guernesey, e é correspondida. Sua decisão é, então, mais heróica do que o leitor da época poderia imaginar: ele dá a ela o baú de enxoval que sua mãe lhe deixara como herança para dar à sua futura esposa, providencia com o pároco mais velho o casamento dos jovens apaixonados sem que Mess Léthierry o saiba e os vê partirem no navio Cashmere, já acomodado em uma pedra recortada numa encosta, cujo formato é de uma cadeira e onde a maré encobre quando o dia anoitece. Ali, sentado e sozinho, espera o mar chegar e cobri-lo, pois para ele, socialmente marginalizado e eternamente infeliz porque sua amada não o ama, o que resta é o mar, e a ele se entrega definitivamente.
Em sua época de lançamento, o tom político, o entrelaçamento de histórias de amor e questões políticas e de dinheiro, como é o caso da fortuna de Mess Léthierry recuperada por Gilliatt, deram o ar de modernidade do romance, e ele se tornou, anos mais tarde, motivo de peças de teatro e de produções televisivas. O que mais deve chamar a atenção do leitor e da leitora é, no entanto, a mudança que ocorre de um movimento romântico em direção a um movimento mais político, arraigando a cultura literária no dia-a-dia da sociedade, mostrando os afãs e as mazelas dos pobres e dos camponeses, como ocorria nesse período de transição em que a sociedade começava a acompanhar a literatura tida como realista -- Madame Bovary, por exemplo, é de 1857.
Os trabalhadores do mar é, sem dúvida, um clássico da literatura universal, mas talvez, pelo seu conteúdo mais adulto e pelo seu tom mais formal, ainda que na tradução, não devesse figurar na coleção ora em apreço. Uma vez que nela se encontra e tendo em vista a experiência do leitor com a literatura de aventura e a literatura oitocentista, vale a pena sua leitura.
Fonte de informações sobre o autor: http://pt.wikipedia.org/wiki/Victor_Hugo
segunda-feira, 15 de novembro de 2010
Volume 44 - A ilha misteriosa - Júlio Verne
segunda-feira, 8 de novembro de 2010
Volume 43 - Carlos Magno e seus cavaleiros
segunda-feira, 1 de novembro de 2010
Volume 42 - Os piratas da Malásia - Emílio Salgari
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
Volume 41 - O máscara de ferro - Alexandre Dumas
terça-feira, 19 de outubro de 2010
Volume 40 - Heidi - Johanna Spyri
Heidi é uma das poucas obras alemãs dedicadas ao público infantil e juvenil que figura na coleção Clássicos da Literatura Juvenil. Escrito por Johanna Spyri e publicado em 1880, a história trata de uma garota órfã que vai morar com a tia mas que, por falta de recursos financeiros, acaba sendo enviada à casa do avô, nos alpes suíços. Ali, conhece um outro estilo de vida e faz amizade com Peter, o pastor de cabras.
Dos cinco aos oito anos, Heidi não só cresce feliz e sadia, no ambiente pastoril de uma Suíça alpina oitocentista, em um casebre pobre, mas distribui sorrisos a todos a quem conhece e principalmente amor ao avô que, antes, havia passado anos e anos amargurado, de mal com o vilarejo, cujos habitantes nada faziam além de suposições e fofocas a seu respeito. Isso porque, vindo do estrangeiro com um filho pequeno, não se comunicara com ninguém, e o isolamento fôra-lhe prejudicial após a morte de seu filho.
Aos poucos, Heidi -- que, na verdade, chama-se Adelaide, como a mãe falecida -- conquista o avô, mas ela se vê repentinamente presa nos planos de sua tia Deti, que volta para buscá-la e colocá-la como pequena dama de companhia de Clara, uma menina de doze anos que mora em Frankfurt e é paralítica, e cujo pai é um viúvo muito rico que raramente fica em casa. O período de conhecimento da cidade grande e do processo de adaptação de Heidi tem seus momentos engraçados, na fala de um narrador onde tudo nos alpes é grandioso e muito iluminado, mas onde tudo na cidade é triste e sombrio, numa construção de atmosfera feita muito claramente para construir contrastes de ambientes. Embora Heidi goste muito de Clara e eventualmente aprenda com ela e com a avó dela muitas coisas boas e práticas, Heidi definha silenciosamente de saudade dos Alpes e de seus amigos e avô, até que o pai de Clara retorne de uma viagem de negócios e perceba o que está acontecendo com a menina.
Uma vez de volta às montanhas, Heidi visita seus amigos e leva-lhes presentes. Dentre eles, o maior é a habilidade de poder ler para a avó de Pedro, porque a velhinha, já cega, sente falta dos hinos religiosos. Na esteira da formação cristã protestante alemã, a autora constrói a trama, e assim a história preferida de Heidi é a do filho pródigo, numa clara alusão ao avô.
Do mesmo modo, o processo de alfabetização, tal como narrado, faz bastante jus ao que conhecemos dos métodos dos séculos XVIII e XIX, antes da grande reforma em prol das crianças pobres. Aqui, qualquer vadiagem ou negação a aprender, por qualquer que seja o motivo, é ameaçada. Há versos que ensinam o alfabeto na base da ameaça, e esse modelo era na época tido como um grande modo de ensinar às crianças.
O terceiro momento é reservado à série de visitas que o médico da cidade, a avós de Clara, o api de Clara e a própria Clara fazem aos Alpes um ano após o retorno da menina às montanhas. Ali, por conta do extremo cuidado do avô para com a mocinha e também devido ao ciúme de Pedro, que já não pode ficar com Heidi só para si durante od ia inteiro, a cadeira de rodas é empurrada para despencar morro abaixo, numa tentativa de fazer com que a menina vá embora. O feitiço, porém, vira-se contra o feiticeiro, e Clara conta com a ajuda de Pedro e de Heidi para começar a andar.
Nesse romântico claramente instrucional, o avô reconcilia-se com Deus e com a sociedade, a paralítica volta a andar, o pai que perdeu uma filha ganha a companhia de outra criança, e Heidi se vê financeiramente amparada pelo médico e pelo pai de Clara. Costurando a trama vem a figura da avó de Clara, que ensina o poder do amor, da fé e do perdão de Deus para com seus filhos. É isso o que este romance, que inaugura uma categoria no gênero infantil e juvenil, faz: prende-nos a um sonho já não possível de cumprir, e onde a realidade é mais perfeita do que nós mesmos esperamos. Se, de alguma forma, ela nos resgata da realidade crua e fria de hoje, com tantas opções e sem ninguém em quem confiar para deixar a porta de uma casa aberta, ela cumpre seu papel histórico e ideológico.
Fonte de informações sobre a autora: http://pt.wikipedia.org/wiki/Johanna_spyri
segunda-feira, 11 de outubro de 2010
Volume 39 - Winnetou - Karl May
Antes de escrever histórias no último quartil do século XIX, quando a Alemanha proliferava seu desenvolvimento literário, o jovem alemão, filho de uma família de tecelães com numerosos irmãos e muitas mortes em decorrência da pobreza e da falta de condições de cuidados com suas crianças, já tinha se formado professor, tido seu título cassado em consequência de roubo, e anos e anos de prisão e trabalhos forçados por conta de seus atos ilegais, até que tivesse sua alma, por assim dizer, resgatada por um missionário que visitava os detentos nas cadeias.
De ladrão a homem recuperado, Karl May tornou-se escritor e, aproveitando-se da febre literária e do desenvolvimento alemão do segundo Reich, escreveu inúmeras histórias que desejavam resgatar para os europeus o espírito romântico de bravura e heroísmo, em terras indômitas, para jovens leitores, ávidos por conhecer um lado da história humana a que agora, diante da urgência em destacar a pátria e a formação de mão-de-obra, já não viviam.
Desse modo é que a coleção Clássico da Literatura Juvenil apresenta Winnetou, o jovem guerreiro, cacique dos apaches, que o narrador em primeira pessoa diz ter sido o último dos grandes e honrados guerreiros indígenas dos Estados Unidos. Nesta adaptação de Maria Aparecida P. de Freitas, um alemão que viaja aos Estados Unidos em busca de aventuras no oeste a ser desbravado acaba se tornando preceptor (professor de crianças e jovens) de uma família alemã instalada há alguns anos no território, quando conhece Sam Hawkes. Este, embora muito maltratado pela vida no oeste, afeiçoa-se a ele e o treina, sem que este saiba, para a vida no território hostil. É devido à sua grande habilidade com o manejo de armas brancas e de fogo e de sua grande força que o jovem alemão se torna conhecido como Mão-de-Ferro, e logo no início da narrativa, quando está em missão de demarcação de terras para a construção de uma estrada de ferro, que vem a conhecer o cacique Intschu-Tschuna e seu valoroso filho Winnetou. Numa tentativa de estabelecer a paz entre brancos e índios, o jovem e seu amigo tentam conversar com os índios e com Klekih-Petra -- ou "pai branco" --, um senhor já idoso e também alemão que havia se radicado em terras indígenas, em defesa dos povos de pele vermelha contra a sanha branca de invadir suas terrase pilhar seus bens. Ocorre, porém, de haver desavença e de um branco matar o senhor alemão, e a guerra se estabelece. Em meio a isso, Intschu-Tschuna e Winnetou são capturados e Mão-de-Ferro os liberta, e depois de mais aventuras, o branco acaba tornando-se irmão de Winnetou.
A aventuras, narradas num estilo episódico, é repleta de lutas, perseguições, capturas, libertações se reféns e justiça feita à bala e à faca. Nesse ínterim, morrem Inschu-Tschuna e sua filha, Nscho-Tschi, tida como a bela flor da tribo. À morte do pai e da irmã, Winnetou segue na captura do assassino, o branco Santer, mas nas diversas vezes em que se vê à sua caça, este se lhe escapa, pois conta também com a ajuda da tribo dos kiowas, a quem presta favores.
O livro apresentado ao leitor é na verdade uma adaptação da somatória dos quatro volumes publicados por May com o nome Winnetou, e segue com muitas outras aventuras, que envolvem desde a ida do alemão a Nova York e seu serviço como detetive, até suas idas à Alemanha e ao seu retorno ao território do oeste, onde ele se envolve em resgates de trens assaltados por bandos de indígenas liderados por bandidos brancos, até a ajuda oferecida por ele e pelo irmão índio a uma colônia cristã de alemães radicados no oeste. É, aliás, durante o conhecimento que trava com os colonos de Helldorf que Winnetou decide converter-se ao cristianismo, comovido que se vê diante do cântico da "Ave-Maria" e da crença que tem num Pai celestial de amor e de união, e não de guerra, como é o Grande Espírito guerreiro protetor dos indígenas. Após tantas aventuras, é justamente ao resgatar os colonos de Helldorf das garras de bandidos brancos que Winnetou tomba, baleado pelas costas. Morre ao ouvir o cântico da santa, mas antes faz o escritor Carlos -- porque o narrador revela-se como Carlos, escritor (tal como o autor, o que significa que a personagem é um alter ego do autor) -- prometer que iria ao túmulo de seu pai e de sua irmã e, perto deles, desenterraria o testamento a ser lido para a sua tribo apache. É durante esta aventura que Carlos, o Mão-de-Ferro, é capturado por Santer e pelos kiowas, mas liberta-se e vai atrás do mortal inimigo de Winnetou, na jura de vingar as mortes dos amigos indígenas e de recuperar o testamento que Santer consegue roubar. Eventualmente, é claro, ele o alcança e Santer, vítima de sua própria cobiça e insensatez, morre, levando consigo o testamento dos apaches e o segredo dos tesouros em ouro e pedras preciosas que Winnetou revelava na carta enterrada, e de que os apaches só faziam uso quando iam às cidades dos brancos e tinham a necessidade de pagar pelo que queriam ou precisavam. "Lembre-se, meu irmão, o brilho e dos diamantes é o próprio fulgor da morte que, se não destrói o corpo, arrasa o espírito!", é o que diz Winnetou a Mão-de-Ferro antes de morrer, numa mostra da visão romancizada do autor, segundo a qual o indígena é puro, corajoso e sempre digno.
Nesta história, ao mesmo tempo em que se deleita com a série de aventuras, o leitor se depara com a linguagem rebuscada, típica ainda do início do século XIX, e com um conhecimento topográfico, climático e de nações e tribos indígenas que com muita propriedade dão o caráter verossímil à narração. Entretanto, curioso é saber que, quando o livro foi lançado (primeiro em episódios publicados em magazines e, depois, em edições de livros), Karl May não havia sequer pisado em solo norte-americano, quanto mais conhecer tribos, aventureiros e desbravado terras. Em sua experiência literária, tinha-se valido de suas leituras das obras de escritores como James Fenimore Cooper (que apareceu nesta coleção com O Último dos moicanos), bem como de livros de história, mapas e notícias de jornais para constituir o que se torna uma narrativa envolvente e muito bonita da figura do índio e de seu valor na nação americana. Soma-se a esta pesquisa a criatividade de May, e então o leitor tem em mãos esta obra que pode não ser muito lida hoje, mas inspira ainda a ideologia americana de nação e a crítica ao falso ideologismo, e que é, por exemplo, lembrada por pessoas do calibre do cineasta Quentin Tarantino, que cita Winnetou em Bastardos Inglórios, numa mostra de que o tema é atual e sempre ideológico, esteja ele investido ou não de um caráter romântico.
Fonte de informações sobre o autor (em inglês): http://en.wikipedia.org/wiki/Karl_May
terça-feira, 5 de outubro de 2010
Volume 38 - O pequeno Lorde - Frances Hodgson Burnett
Frances Hodgson Burnett é, nos dias de hoje, mais conhecida por sua obra O jardim secreto, que foi transformada em filme nos anos 1990, mas sua fama atravessou os mares quando ela publicou O pequeno lorde, que a coleção Clássicos da Literatura Juvenil apresenta aos leitores em seu trigésimo-oitavo volume.
Publicado pela primeira vez em 1886, o livro conta a história de Cedric Errol, o menininho de sete anos órfão de um pai que era o terceiro filho de um conde inglês, e de uma mãe americana, e que de repente vê sua vida mudada porque o avô, a quem jamais havia conhecido, manda buscá-lo nos Estados Unidos para que viva com ele e aprenda sobre sua linhagem e sua importância, e passe a ser o Lorde Fauntleroy, dono das terras do avô quando este viesse a falecer.
O avô era, na verdade, movido pela solidão e pelo orgulho de sua linhagem, e não por amor. Solitário, ranzinza e amargurado, tendo morrido os três filhos, chama o neto e a mãe, mas recusa-se a conhecer esta, por acreditar que os americanos não passavam de gente baixa, sem educação e cuja personalidade era carregada de interesse e de ganância. Não sabia ele que não só sua nora era a mais digna, educada e recatada das damas, mas incutia no filho o orgulho de ser filho de seu pai e o amor pela virtude, pela verdade e pela caridade, além de um otimismo sem fronteiras. É assim que, vendo-se dono de uma pequena soma de dinheiro ainda nos Estados Unidos, antes de partir, Cedric ajuda a seus amigos, o vendeiro republicano, a família de sua ama de leite, e o engraxate Dick, de quem é também amigo, mas nada compra para si.
O amor e a natural expansão de Cedric, que desconhece o verdadeiro motivo pelo qual o avô o leva à Inglaterra pelas mãos do advogado da família, acabam não só por desarmar o velho homem de sua amargura e de sua descrença na humanidade, mas por curá-lo e também por distribuir com justiça a ajuda aos mais empregados necessitados do condado. Eventualmente, o velho lorde acaba conhecendo sua nora e reconhecendo que ela era a melhor das damas. Entendendo que o neto, com quem morava, jamais deixaria de amar a mãe por mais que se lhe dessem ou com ele estivessem (pois o avô tentara, de primeira, comprá-lo com brinquedos e livros), o homem convida a nora a morar com eles no castelo, posto que ela morava nas propriedades, próximo ao castelo desde que se mudara para a Inglaterra, mas não com o filho.
Não poderia, contudo, deixar de haver o contraponto da felicidade e da lição de vida que o pequeno ensina a todos, espalhando o amor, a justiça e a caridade. A certa altura da história, quando já era reconhecido por todos do condado como o pequeno lorde Fauntleroy, Cedric vê seu posto ameaçado por um repentino herdeiro, que seria filho do primogênito do velho conde. A situação viria a tomar proporções de manchetes internacionais e, assim, nos Estados Unidos, seus amigos saberiam do drama, e teriam condições de ver, pela foto dos jornais, que a mãe do suposto herdeiro era senão a ex-cunhada de Dick, pilantra de marca maior que de fato havia se envolvido com o filho do conde, mas cujo filho era na verdade resultado de sua relação com Ben, irmão de Dick. Em tempo, a farsa é desmascarada e a paz passa a reinar nessa história escrita para crianças.
Há, nesta história de amor familiar, dois aspectos que se pode comentar. O primeiro deles é, certamente, a questão política da rivalidade entre os valores históricos ingleses versus os valores de igualdade pregados pela república norte-americana, aqui colocados por uma autora que havia nascido inglesa e que, ainda jovem, havia se mudado para os Estados Unidos. No início, incute a personagem do vendeiro com toda a gana contra os ingleses e seus preconceitos contra a linhagem, a exploração, a desigualdade entre os britânicos, quando em seu país todos tinham chances iguais e poderiam, se quisessem, candidatar-se a presidente. Porém, com o desenrolar da história, conforme Cedric se inteirava de sua linhagem e da realidade de sua posição e das famílias que viviam no condado, ele ia entendendo que a desigualdade e a injustiça dependiam principalmente da personalidade e do modo de governar, e não do mero fato de ser inglês ou de se estar na Inglaterra. E, sendo a história produto do trabalho de uma filha da era vitoriana, em que o expansionismo inglês estava ainda a toda na Ásia, não poderia ser diferente.
O segundo aspecto que chama a atenção para este livro é o modo como o caráter da personagem Cedric Errol, o pequeno lorde Fauntleroy, é construído, bem como o enredo. Digo isso porque, ao ler a história, não pude deixar de estabelecer relações óbvias com Pollyanna, de Eleanor Holdgman Porter, publicado em 1911 e cuja história fala de uma órfã que vai morar com a amargurada e reclusa tia Polly, uma mulher rica que, à custa da inocência, do amor e da crença de sua sobrinha na justiça e na caridade, passa a fazer caridade e a atender a diversas famílias da região, para finalmente perceber que se torna uma mulher completamente diferente e mais feliz, por amor da sobrinha, sempre tão otimista e querida por todos, e que a transforma pouco a pouco num ser cujo amor e cuja compaixão se tornam evidentes. Imagino, na verdade, que haja estudos comparativos de ambos os enredos, e embora os contextos sejam diferentes e não haja a situação política em Pollyanna, obras como essas -- inspiradas por Frances H. Burnett, são ainda hoje fundamentais para a formação da criança, já que a necessidade de formar pessoas justas, amorosas e caridosas, independentemente de onde vivam, jamais morre.
Fonte de informações sobre a autora (em inglês): http://en.wikipedia.org/wiki/Frances_Hodgson_Burnett